domingo, 6 de abril de 2008

Resenha Filmográfica: “Homo Sapiens 1900”. Diretor: Peter Cohen. Ano de produção: 1998.

O filme do sueco Peter Cohen, intitulado Homo Sapiens 1900, alia-se à mostra de fotos e arquivos para que o público entenda como a eugenia, tomada a partir de um ponto de vista que vise a limpeza racial, é defendida no regime hitlerista para que assim se construa uma raça superior através do aperfeiçoamento.

A comparação entre os ideais hitleristas e stalinistas é uma alternativa do diretor para se entender concepções diferentes acerca de uma mesma medida eugênica, tanto que a própria cena em que cientistas aparecem analisando o cérebro de Stálin já diz por si só. O que o filme se preocupa primordialmente é mostrar a ciência a serviço de uma ideologia, e esta, marcada ainda mais pelo racismo. Peter Cohen foi feliz na escolha de suas imagens, documentos e vídeos, porém, é preciso ver que o diretor analisou um dos fenômenos únicos da doutrina fascista. Analisar algo uno possibilita um aprofundamento maior no que diz respeito aos estudos, contudo, quando o que está em discussão trata-se de algo tão complexo (tanto na teoria quanto na prática) como o nazismo, deve-se levar em conta as múltiplas ramificações que este sistema político, e social, engloba.

Questões como o nacionalismo e a modernidade aparecem de forma muito superficial no documentário. Superficiais não porque não possuam importância, mas sim porque o foco central seja a eugenia em si, e as conseqüências políticas que a mesma traga consigo. “Hitler conseguiu recrutar mais seguidores entre alemães equilibrados ao afirmar que a ciência estava ao seu lado” (EDUARDO SZKLARZ, em matéria para a revista superinteressante, edição de julho de 2005). Mostrar como a idéia penetrou, e foi aceita, é algo interessante de ser mostrado em um documentário, porém, muito mais dinâmico seria a análise da sociedade por um todo e das outras idéias que perpetuavam na mesma, como por exemplo, o nacionalismo, a noção nazista de modernidade, a ilusão de um ideal de beleza (que o próprio Peter Cohen analisa em seu outro documentário, intitulado Arquitetura da destruição), entre outras. Poucas vezes o diretor sueco relaciona idéias diferentes, de uma certa forma complementando-as. Um dos momentos em que Cohen faz isso é quando trata da questão dos institutos onde mães solteiras dariam a luz à arianos, frutos de uma “raça pura”. O diretor soube explorar a idéia de procriação sistemática entrando em choque com uma sociedade nazista que exaltava o papel da família acima de tudo, e poderia debater outras questões deste tipo ao longo do filme.

No geral, o documentário de Peter Cohen é limitado, pois se resume ao tema da limpeza racial, porém, torna-se interessante a partir do momento em que o diretor mapeia a eugenia desde o seu surgimento, mostrando políticas eugenistas em diferentes países, e também a forma como a política se alia à ciência e, principalmente, através da propaganda (a cena do filme A cegonha negra, do médico norte-americano eugenista Harry Haiselden é impactante, pois ele afirma que “há ocasiões em que salvar uma vida é um crime maior do que tirá-la”) ganha espaço. Em suma, essa arma político-biológica é analisada de uma forma surpreendente no documentário, porém, seja uma pena que o diretor não possa ter feito um diálogo com outros ideais pertinentes à época (quando faz, estes são limitados e superficiais).

sábado, 5 de abril de 2008

Fichamento: PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 8: p. 335-361.

Ao início deste capítulo o autor expõe sua proposta: chegar a uma definição do que seja o fascismo. Porém, julga justo conseguir atingir o “máximo fascista”, a ponto de assim se chegar a alguma essência do movimento. Descartando a opção de um “mínimo fascista”, também diferencia os movimentos dos regimes em si, pois estes últimos seriam formas deturpadas, corruptas, ainda mais quando se leva em conta que “o fascismo em ação se assemelha muito mais a uma rede de relações que a uma essência fixa” (PAXTON, página 336).

Várias interpretações foram formuladas ao longo dos anos acerca deste sistema político e, principalmente, social. Visões de que o fascismo seria fruto do capitalismo contrastam com a opinião dos que acham que, pelo contrário, o capitalismo é que seria afetado pelo fascismo (essas interpretações opostas fazem parte da primeira tomada acerca do estudo dos movimentos e dos regimes fascistas). A psicanálise também entra em meio a essa discussão, porém, Paxton ressalta que a análise da figura do líder por si só é algo complicado, e muitas vezes errôneo, pois, na medida em que se foca essa matriz, deve-se lembrar de outros dois fatores importantes: o problema de não se trabalhar com o objeto em si e também saber que está se deixando de lado as massas fascistas.

A “teoria da não-contemporaneidade” do filósofo Ernest Bloch complementa e reforça o enfoque sociológico de que houve o surgimento de uma “sociedade de massas atomizada”, fruto de um nivelamento urbano e industrial ocorrido a partir de fins do século XIX. Os diversos clubes alemães viriam a tornar este país profundamente polarizado em inícios da década de 1930, e a isso, deve-se somar a imediata necessidade de se disciplinar um povo visando a tarefa da reconstrução após a derrota de 1918. Vê-se a partir daí o fascismo como uma força desenvolvimentista, que visa o crescimento industrial por meio da força de trabalho. Da mesma forma, “a teoria do fascismo como ditadura desenvolvimentista serve para rotular de ‘fascistas’ todos os tipos de autocracias do Terceiro Mundo” (PAXTON, página 343), ou seja, o termo adquire assim um caráter pejorativo.

Outro ponto ressaltado no ponto analisado que reforça ainda mais a impossibilidade da construção para uma explicação social coerente do fascismo é a idéia de que o recrutamento fascista não ocorresse em uma camada social específica, o que mostra a “multiplicidade do apoio social dado ao fascismo e seu relativo êxito na criação de um movimento composto, abrangendo todas as classes” (PAXTON, página 344).

Segundo uma “Teoria do Totalitarismo”, a Rússia de Stálin e a Alemanha de Hitler assemelham-se, pois ambos os regimes “eram governados por partidos únicos, empregavam uma ideologia oficial, usavam um controle policial terrorista e tinham o monopólio do poder sobre todos os meios de comunicação, sobre as forças armadas e sobre a organização econômica” (PAXTON, página 346). Porém, antes de se marcar as semelhanças, é preciso se entender que ambos os regimes se diferem totalmente no que diz respeito às suas dinâmicas sociais e também em seus objetivos, o que torna um pouco falha essa interpretação totalitária. Tratar Hitler e Stálin como totalitários leva a um exercício de julgamento moral comparativo. O hitlerismo e o stalinismo diferem-se principalmente em seus objetivos últimos declarados: para um, a supremacia da raça-mestra; para o outro, a igualdade universal.

É preciso destacar que o fascismo mobilizava as massas, estimulando-as ao fervor e a ação. A partir daí é preciso ver o fascismo como uma “religião política”, onde se difunde uma verdade que não permite espaço a dissidências. O autor também mostra a sua aversão em se classificar o fascismo como um dos muitos “ismos” existentes pois o movimento desprezava a razão e o intelecto a medida em que nem mesmo se dava ao trabalho de justificar sua próprias alterações.

Decodificar a cultura das sociedades fascistas por via de um olhar antropológico trata-se de uma estratégia intelectual contemporânea. Embora importante, não consegue explicar a forma como o fascismo adquiriu o poder de controle dessa própria cultura. É preciso ressaltar também que a cultura difere profundamente de um ambiente para o outro, tornando impossível encontrar um programa cultural comum a todos os movimentos fascistas.

Um meio de se entender o fascismo é, segundo Paxton, saber delimitar suas fronteiras em relação a outras formas de poder semelhantes. O primordial é diferenciar o fascismo da tirania clássica, até porque, apesar de ambos serem autoritários, o fascismo encontra apoio nas massas populares, ao contrário das tiranias, que as oprimem. Desta forma, é incorreto usar o termo fascismo para as ditaduras pré-democráticas. Complementando a idéia anterior, a mesma também serve para a quebra de um certo paradigma: todos os fascismos são militares, porém, nem todas as ditaduras militares são fascistas. É preciso ressaltar, para um melhor entendimento, que “a maioria das ditaduras militares atua como simples tirania, sem ousar desencadear a excitação popular do fascismo” (PAXTON, página 355).

Outra discussão que surge nesse âmbito de estudos diz respeito à confusão entre os regimes autoritários e os fascistas. O autoritarismo desrespeita a liberdade civil e é capaz de cometer diversas brutalidades. Ou seja, “os autoritários preferem deixar suas populações desmobilizadas e passivas, ao passo que os fascistas querem engajar e excitar o público” (PAXTON, página 356).

Para o autor, a diferenciação entre fascismo e autoritarismo surge como base para se discutir os regimes políticos de Franco na Espanha, de Salazar em Portugal e de Vicky na França.

Desta forma, Paxton chega a seguinte definição: “o fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza” (PAXTON, página 358-359).

Porém, é preciso ressaltar que, devido a peculiar relação do fascismo com sua ideologia, que era frequentemente modificada ou violada conforme a conveniência do momento, torna-se possível se “evitar ambos os extremos: o fascismo não consistia nem da aplicação direta de seu programa nem de oportunismo imediato” (PAXTON, página 359).