terça-feira, 27 de maio de 2008

Resenha filmográfica: “Arquitetura de Destruição”. Diretor: Peter Cohen. País: Suécia. Ano de produção: 1992.

O documentário de Peter Cohen é considerado um clássico no que se refere ao nazismo. No entanto, não se trata de mais um daqueles estudos puramente históricos e factuais do regime, e sim, uma busca de explicação do fenômeno alemão por meio da “estética nazista”, da arte e da arquitetura, nos planos e no ideário de Adolf Hitler. O que seria uma única crítica ao documentário não o é, pois o próprio diretor sueco especifica seu recorte de discussão. Desta forma, o hitlerismo alia estética à política como meio de motivação e impulsionamento de um ideal.

A arte era importante ao nazismo, mas somente a “boa”, pois a má era considerada depravação. Para os idéias de Hitler, a arte era a representação da superioridade da raça ariana, em contraposição às demais. A arte moderna foi apresentada como uma degeneração, fruto de uma inferioridade, que só serviria como exemplo para se mostrar como tais obras distorciam o valor humano e na verdade representavam as deformações genéticas existentes na sociedade. Peter Cohen é fascinante nessa parte do documentário, ao mostrar imagens de exposições organizadas pelo regime fascista, onde se comparavam as obras consideradas de valor à arte depravada. O que é importante ressaltar, e que está intrínseco nesta parte do documentário de Cohen, é o papel das exposições, museus e outros meios de demonstrações culturais, como uma forma de gerar tendências, propondo ideologias, respostas estas aos anseios sociais de uma geração específica, marcada pela derrota da Primeira Guerra Mundial e buscando reconquistar o prestígio de grande nação.

O filme é rico em imagens de planos mirabolantes de Adolf Hitler em seus projetos arquitetônicos. O führer colocava sobre arquitetos e artistas o fardo de construir uma nova Alemanha. Recorreu também a médicos, para que montassem teorias racistas e aplicassem monstruosos programas de eutanásia, eliminando assim portadores de deficiências físicas e mentais, contribuindo assim com o esforço de limpar o Terceiro Reich da “sujeira biológica”. O afiado valor estético nazista alia medicina à arte, e o diretor sueco explora isso muito bem ao longo do documentário pelo show de imagens que apresenta ao espectador.

Enfim, Peter Cohen apresenta Hitler com uma profundidade muito maior do que é mostrada em muitos livros ou filmes de história. O documentário foca bem isso ao mostrar o líder nazista construindo seu exército nos mínimos detalhes, desde a criação de uniformes até a organização de desfiles militares e demais apresentações do exército alemão em público. Há um projeto grandioso para o Reich, e Peter Cohen introduz esse pensamento nazista na percepção de quem assiste ao filme, mostrando como o ideal nacional-socialista é fomentado em seus mais íntimos aspectos. A dimensão absoluta que Hitler queria dar à sua megalomania destrói muitos conceitos morais existentes, o principal, que esse “embelezamento” só poderia acontecer através da destruição, o que chega a ser um paradoxo. O diretor é feliz na escolha de imagens, e até mesmo no seu discurso, tirando assim uma imagem de “lunático” ou “louco” que muitos atribuem a Hitler, enfatizando seu lado pensante e meticulosamente organizado, atribuindo assim um caráter altamente racional ao regime nazista em si.

sábado, 24 de maio de 2008

Fichamento: VIZENTINI, Paulo F. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão histórica e conceitual” .

O tema abordado ao longo do texto de Vizentini é o neonazismo. Para isso, o autor acha indispensável uma análise do nascimento, da expansão e da derrota dos regimes europeus em si. Um período de “hibernação” será também essencial para o ressurgimento de tais movimentos, desta vez modificados sob o contexto cultural e social dos anos 80 e 90. É preciso ressaltar, porém, que “o nazismo faz parte da extrema direita, mas nem toda a extrema direita é exatamente nazista ou neonazista” (VIZENTINI, página 1). Atribuir a tais movimentos um caráter periférico na sociedade também é um erro, pois um possível efetivo reduzido não é o bastante para se negar uma tal importância e perigo.

A crise oriunda da Primeira Guerra Mundial cria e gera o espaço necessário para o desenvolvimento de movimentos ditos fascistas. Da mesma forma, o neofascismo surge segundo circunstâncias próprias. Cada movimento ou regime, em sua época, foi diferente um do outro. O autor aponta para a conivência internacional que houve com relação a regimes desse tipo na Europa, e essas ligações e conexões internacionais permitiram com que o fascismo se afirmasse, pois podem muito bem permitir que um neofascismo se perpetue também. Não deve haver motivos para surpresas, pois negociações e acordos possibilitam com que a política seja desta forma.

Importante ressaltar também o que o autor chama de “colaboracionismo ativo”, que seria a existência de vários grupos políticos e sociais que teriam apoiado o nazismo (no caso alemão), quebrando um pouco o paradigma de uma ocupação alemã plena nos países. Certas camadas sociais, principalmente as elites, participam através de uma espécie de comprometimento.

Uma reconstrução política e econômica da Europa pós-guerra possibilitou que fatores e atores que propiciaram a existência do fascismo sobrevivessem, ainda que em estado de “hibernação”. Houve também uma série de redes internacionais de solidariedade que levaram várias personalidades, elementos importantes do regime derrotado, a buscar refúgio tanto nos EUA quanto no Canadá, mas também nas periferias (na América do Sul esse episódio é bem conhecido). O fascismo sobrevive de uma forma diluída, atendendo às necessidades dos novos tempos, porém, não perdendo a sua força jamais, mas sim adequando-se a um novo ambiente do pós-guerra que já era favorável por si só, onde há um ressurgimento da extrema direita e do neonazismo.

O surgimento de alguns capitalismos bem sucedidos no Terceiro Mundo gera certo “perigo econômico” ao Velho Mundo, o que resulta em movimentos xenófobos como meio de reação. A estagnação e regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte também contribuiu para um fluxo migratório elevado para estes países, visando a ocupação de certos cargos que careciam de mão-de-obra. À essas “invasões bárbaras” soma-se o surgimento de alguns movimentos de contra-cultura (como os hippies e os skinheads por exemplo), uma alavanca para o recrutamento visando organizações neofascistas.

A queda dos últimos regimes ditos fascistas (Salazarismo, Franquismo e o regime dos coronéis gregos) na década de 70, faz com que a extrema direita de reorganize, buscando principalmente integração, seguindo a conjuntura temporal vigente, essencial para a sobrevivência dessa direita neofascista.

A retomada do liberalismo na economia dos anos 80 faz com que os europeus tenham medo de novas instabilidades. Tensões sociais encontram uma válvula de escape na xenofobia e no racismo, que representam também o motivo de aderência de um apoio social às bases de movimentos e partidos da direita européia. O cenário político europeu dos anos 80 caminha assim para a direita através da eleição generalizada de governos conservadores na Europa. Todo um rearranjo político é montado. “O que interessa e preocupa não é a manipulação política que se faz desses movimentos, mas, sim, o porquê de largas categorias da população aderirem a eles” (VIZENTINI, página 8). O desencanto das pessoas com os partidos, políticos e instituições democráticas do pós-guerra, segundo o autor, é preocupante, e é o que faz com que um discurso neofascista ganhe espaço.

A globalização teria também produzido um enfraquecimento do Estado nacional. Assim, “se começa a recriar entidades supostamente étnicas, gerando com isto um fenômeno conflitivo e racista” (VIZENTINI, página 9), o que dá margem a ideais neofascistas. O autor aponta que tais problemas não são de origem étnica e racial simplesmente, mas tratam-se também de questões socioeconômicas e políticas.

Sob tais aspectos, Vizentini analisa os regimes fascistas em si e, segundo uma conjuntura específica, o ressurgimento de tais idéias, camuflados por um discurso ultra-direitista que atende aos anseios de uma sociedade desiludida com as democracias do pós-guerra e, ao mesmo tempo, assustada com as diretrizes econômicas e sociais que a Europa pode tomar como rumo.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Fichamento: PAXTON, Robert O. A Anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 7 (pp. 283-334).

Ao delimitar o marco inicial do fascismo a partir do momento em que a democracia das massas entra em plena operação, encontrando assim suas primeiras instabilidades, o autor inicia seu trabalho questionando a existência ou não, em qualquer um dos chamados neofascismos, de agentes poderosos o suficiente, fruto estes de uma especificidade temporal, a influenciar políticas governamentais. “O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico, após 1945, foi a repugnância que ele veio a inspirar” (PAXTON, página 284), e isto foi apenas uma das barreiras que essa possível ressurgência encontrou. Há também as questões metodológicas, onde cada coisa, mesmo que igual, aconteça segundo seu contexto histórico, o que sugere que tal regime não poderia voltar a existir após 1945, ou pelo menos não da mesma forma. Assim, como diz o próprio autor, “um fascismo do futuro (...) não teria que ter uma semelhança perfeita com o fascismo clássico” (PAXTON, página 286-287).

É preciso elucidar que tal posse de signos e símbolos através de uma perspectiva diferente não tornaria tais possíveis movimentos menos perigosos, pois há uma moldagem destes regimes pelo espaço político em que se desenvolvem. O que Paxton tenta mostrar logo no início de seu texto é que tal renascimento fascista não se baseia em uma repetição exata, mas sim em um equivalente no que diz respeito à função.

Uma Europa pós-1945 presenciou ainda a existência de partidos da ultra-direita que não possuíssem considerável representação, porém, que ganham espaço ao longo do tempo, pois aprenderam com seus próprios erros de se isolarem politicamente, buscando assim novas alianças políticas, resultando estas de uma adequação aos novos tempos. Tais políticas foram incentivadas ainda mais pelo crescimento do xenofobismo, que se acentuou devido ao amento da imigração de habitantes de antigas colônias européias para os países do velho mundo (resultado do fim do imperialismo). Mesmo que não chegassem ao poder, partidos com uma política próxima ao fascismo mudaram o cenário político de seus respectivos países. Paxton também chama atenção ao caráter das gerações nos movimentos quando fala que “embora alguns filhos tenham levado adiante a mesma causa de seus pais, novos recrutas, dando voz a novas queixas, trouxeram novo ímpeto à direita radical européia” (PAXTON, página 294). As mudanças pós-45 levantaram novas questões, o que preparou o público à novos movimentos e partidos de direita, alcançando estes maior êxito nas décadas de 1980 e 1990.

Os governos e partidos convencionais não souberam lidar com os novos problemas enfrentados pela Europa Ocidental após a década de 1970, o que deu brecha para o aumento de partidos políticos alternativos. Em meio a esse cenário não havia um inimigo comum, porém, era marcado por vários problemas, como por exemplo: a globalização, os imigrantes estrangeiros, o multiculturalismo, o enfraquecimento das identidades nacionais e, principalmente, “políticos incompetentes que não sabiam lidar com essas ameaças” (PAXTON, página 297). Aqui surgem oportunidades para novos movimentos de extrema-direita na Europa (o maior exemplo é a Frente Nacional, da França).

Porém, a preocupação do autor não é o surgimento de tais partidos e movimentos somente, mas sim até que ponto estes se relacionam com a sociedade européia em si, respondendo seus anseios, solucionando seus impasses, ou seja, integrando-se a ela. Até que ponto tais alternativas políticas “normalizaram-se” em meio a tal sociedade? Esta pergunta define a intenção do debate principal proposto pelo autor.

Tais movimentos e regimes não atendiam às exigências de um “fascismo clássico”, nem mesmo se taxavam como fascistas, porém, nas entrelinhas desses discursos direitistas percebe-se um “criptofascismo” (PAXTON, página 303), adequado, é claro, ao seu contexto temporal e geográfico. “Nos programas e declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos” (PAXTON, página 304).

No entanto, temas fascistas clássicos como o ataque à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a repulsa às constituições democráticas e ao estado de direito, a efetivação de guerras de expansão nacional, não encontram-se presentes nessa nova política ultra-direitista de fins do século XX. O que se deve comparar não são apenas programas e retóricas, mas também as circunstâncias contemporâneas com as da Europa entre-guerras. O autor conclui que “em suma, ainda que a Europa Ocidental, a partir de 1945, tenha tido ‘fascismos herdeiros’, e ainda que, a partir da década de 1980, uma nova geração de partidos de extrema-direita, normalizados, apesar de racistas, tenha conseguido até mesmo ingressar em governos locais e nacionais na qualidade de parceiros minoritários, as circunstâncias, hoje em dia, são tão diferentes da Europa do entreguerras que não há abertura significativa para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico” (PAXTON, página 307).

A maioria dos Estados do Leste Europeu presenciou, a partir de 1989, o surgimento de uma direita radical, embora, em sua maioria, tais movimentos não tenham obtido força o suficiente. O fim da URSS foi essencial para a amergência de tais políticas. Um destaque foi o regime de Milosevic na Sérvia que, embora não tenha sido um fascismo de fato, pode ser taxado como um equivalente funcional.

O campo da equivalência no que diz respeito à função amplia-se ao se levar em consideração a América latina e a África. Ex-colônias, com uma tímida emergência de uma democracia após tal período, são propícias a governos autoritários e tirânicos, porém, deve-se delimitar os limites de tais governos a um fascismo em si. O Peronismo e o Varguismo são exemplos de como “a avaliação das ditaduras latino-americanas pela ótica do fascismo é uma empreitada intelectual perigosa” (PAXTON, página 320). “Para que a comparação seja correta, temos que distinguir entre os diversos níveis de similaridades e de diferenças. As similaridades são encontradas nos mecanismos de poder, nas técnicas de propaganda e na manipulação de imagens e, ocasionalmente, em políticas específicas tomadas de empréstimo ao fascismo, tais como a organização corporativista da economia. As diferenças se tornam mais aparentes quando examinamos os ambientes sociais e políticos e a relação desses regimes com a sociedade” (PAXTON, página 320-321). Não existiu, como conclui o autor, um fascismo pleno e autêntico nos países latino-americanos no período entre 1930 e 1950. No caso do Japão, este visou, através da seletividade, algumas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular (implementada pela ação estatal), ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado típico dos movimentos fascistas. É fato que o Japão imperial se inspirou em modelos fascistas, compartilhando características importantes com estes, entretanto, faltava a base de um partido de massas único ou de um movimento popular aos governantes. Não se devem esquecer também os regimes ditatoriais da América Latina que eram sustento aos interesses norte-americanos ou europeus (o Chile de Pinochet, por exemplo), que já foram classificados, nas palavras do autor, de “fascismos clientes”. Não são fascismos em sua essência, pois dependem de um apoio e agem segundo um influência externa.

Paxton enfatiza que “uma minoria subjugada pode empregar uma retórica semelhante à do fascismo, mas não há qualquer possibilidade de ela vir a se lançar em seu próprio programa interno de ditadura, purificação e expansionismo” (PAXTON, página 331). Ao se questionar sobre a possibilidade da religião agir como um equivalente funcional do fascismo, o autor chama a atenção de que “um fascismo religioso, inevitavelmente, viria a impor limites ao seu líder por meio não apenas de poder cultural do clero, mas também dos preceitos e valores da religião tradicional” (PAXTON, página 331), porém, não se deve esquecer que a religião em si pode ser tão poderosa quanto a nação no caráter de propulsor de uma identidade.

Ao final de sua exposição, Paxton conclui que não se pode nem se deve buscar réplicas perfeitas dos movimentos fascistas ditos clássicos. Movimentos da direita souberam moderar seus discursos e abandonar o simbolismo do fascismo clássico, parecendo assim “normais”, no entanto, não se deve diminuir a probabilidade de virem a exercer influência, engajando assim partidários à sua doutrina. O estudo do movimento fascista, seja ele clássico ou contemporâneo (com suas modificações apropriadas), arma os cidadãos de saber distinguir políticos desprezíveis e imitadores dos “autênticos equivalentes funcionais do fascismo” (PAXTON, página 334).

domingo, 11 de maio de 2008

Fichamento: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998. Capítulo “Singularidade e normalidade do holocausto”.

O autor inicia seu texto elucidando a dificuldade de compreensão do holocausto visto sua monstruosidade, ao mesmo tempo em que afirma que a nossa própria civilização ocidental foi que tornou tal fato incompreensível. Ao afirmar que as instituições sociais fogem ao nosso controle prático e mental, amplia-se a discussão do assunto além dos limites acadêmicos. Aspectos da civilização que tornaram o holocausto possível ainda estão por aí, o que não elimina a possibilidade de uma reincidência. Bauman chama a atenção, de uma forma até irônica, à ilusiva segurança de nossa “civilização superior”.

Deve-se, primeiramente, retirar o caráter de acidente histórico pertencente a este genocídio que ocorrera de forma tão sistemática e racional. Ao longo do capítulo, percebe-se que “se havia algo em nossa ordem social que tornou possível o holocausto em 1941, não podemos ter certeza de que foi eliminado desde então” (Bauman, página 109). O que não se pode esquecer é que o sistema moderno é poderoso e influenciador, e não há poder ético-moral mais alto que o Estado.

As verdadeiras causas da preocupação que giram em torno do holocausto são que as normas e instituições da modernidade o tornaram possível e, além do mais, nota-se a ineficiência das redes de controle e equilíbrio que seriam fruto de um processo dito civilizador. Assim, “vivemos num tipo de sociedade que tornou possível o holocausto e que não teve nada que pudesse evitá-lo” (Bauman, página 111), o que atribui ao estudo de tal fenômeno a possibilidade de saber até onde o mesmo pode reincidir ou não.

O holocausto é algo singular na medida em que sua efetivação contou com aspectos tipicamente modernos, e foi superior na medida em que tal sociedade o institucionalizou. Um genocídio frio, completo e sistemático só foi possível com base em uma moderna sociedade racional. “O assassínio em massa contemporâneo caracteriza-se, por um lado, pela ausência quase absoluta de espontaneidade e, por outro, pelo predomínio de um projeto cuidadosamente calculado, racional” (Bauman, página 114). O genocídio moderno é único visto que segue um propósito, onde tal etapa visa um fim maior, é um elemento de engenharia social que visa produzir um ordenamento social segundo um projeto cultural tipicamente moderno, onde se almeja um arranjo perfeito das condições humanas. O que há é uma “intervenção consciente” a uma sociedade perfeita. O mundo moderno possui um anseio por uma ordem melhor, mesmo que esta seja necessariamente artificial. A sociedade se molda e se constrói de maneira mecânica, e o genocídio através do holocausto trata-se de uma etapa a ser cumprida, visando um fim maior (a “sociedade perfeita”). Nas palavras do autor, “o holocausto é um subproduto do impulso moderno em direção a um mundo totalmente planejado e controlado (...)” (Bauman, página 117).

Segundo Bauman, a peculiaridade do holocausto que o torna único depende de dois fatores: o fato de ser moderno e por trazer à luz elementos da modernidade que normalmente seriam mantidos à parte. O importante é ressaltar a importância de certos mecanismos sociais na busca por um sonho modernista de uma sociedade perfeita, que servem como um meio de silenciar, ou até mesmo neutralizar, certas inibições morais que fariam com que as pessoas evitassem uma resistência a este mal. Aos poucos os homens se armam com “sofisticados produtos técnicos e conceituais da civilização moderna” (Bauman, página 119). Percebe-se que não há um caráter geral de não-violência existente na civilização moderna (tal caráter torna-se pura ilusão), o mesmo não passa de um “mito legitimador” (nas palavras do autor). Enquanto a qualidade de pensamento se torna mais racional, o teor destrutivo eleva-se simultaneamente.

Bauman aponta para uma reutilização da violência ao longo do processo civilizador. A violência não deixa de existir, porém, é utilizada através de outros diversos canais de atuação. Tais impulsos acabam gerando uma concentração desta mesma violência, visto que ela passa a atuar de forma mais politizada, racional e sistematizada (ampliaram-se os métodos coercitivos através de um Estado mais burocrático). Vê-se que tal propósito só foi efetivado através de uma especialização, resultando em um “aperfeiçoamento técnico”. A eficiência deste sistema tem como base um Estado burocrático e técnico, e a partir do momento em que a violência é vista sob uma visão mais técnica, torna-se “livre de emoções e puramente racional” (Bauman, página 122).

Substitui-se então uma responsabilidade moral por uma técnica, e tal atitude é fortalecida pela divisão hierárquica do trabalho, que distancia as pessoas de um resultado final e coletivo. Uma hierarquia burocrática dá margem ao não conhecimento pleno dos efeitos, demoniza-se então as ações à medida que tal divisão torna-se funcional (há uma distância entre o participante e a tarefa a ser executada, substitui-se o moral pelo técnico). Ao se fragmentar um processo, transforma-se a consciência em algo muito irrelevante. Em suma, o autor defende que tal “substituição da responsabilidade moral pela técnica seria inconcebível sem a meticulosa dissecação e separação funcional das tarefas” (Bauman, página 125). Padrões morais tornam-se irrelevantes frente a intenção de um sucesso técnico, fruto este de uma operação burocrática.

A ação burocrática efetiva também é responsável pela desumanização dos objetos e ações, ligados essencialmente a uma tendência racional de uma moderna burocracia. Há uma perda de identidade, resultante de um gerenciamento puramente burocrático. Segundo a opinião do autor, “a conclusão geral é que o modo de ação burocrático, tal como desenvolvido no curso do processo civilizador, contém todos os elementos técnicos que se revelaram necessários à execução das tarefas genocidas” (Bauman, página 128).

Outra discussão pertinente apresentada por Zygmunt Bauman é quanto ao aspecto “institucionalista” ou “funcionalista” do holocausto. O genocídio adquiria uma dinâmica e uma mecânica próprias, onde também deve se somar uma política expansionista. Em suma, o autor conclui que a burocracia tornou possível esta ação genocida, onde a intenção final era um amplo projeto de uma ordem social melhor, construído racionalmente.

Sobre a sociedade moderna (e, consequentemente, civilizada), Bauman converge com o historiador Norbert Elias em certas opiniões, principalmente na que se refere ao fato de tal sociedade reunir recursos à criação de centros de violência em novas locações de seu sistema social. Assim, a vida cotidiana fica completamente livre à violência, que passa a residir nas margens da sociedade (há um desaparecimento da violência no horizonte da vida diária, o que reflete ainda mais as tendências centralizadoras e monopolizadoras do poder moderno). Além do mais, tal governo estende seu apoio às instituições científicas e religiosas, em busca de gratidão e cooperação por parte destas. Vê-se, como o autor quer demonstrar, que a própria civilização moderna não ergueu barreiras contra as barbáries que ela mesma cometeu.

O que possibilitou que o avanço de tais idéias resultasse na monstruosidade do holocausto foi sem dúvida, segundo o autor, o colapso da democracia, que resultou no desmantelamento de uma ordem social mais ampla. As condições modernas tornaram propícias a emergência de um Estado pleno de recursos, que teria força no comando político e na administração. Percebe-se a modernidade como uma era de ordenamento artificial e grandes projetos sociais. A essência da atitude moderna repousa na “melhoria da realidade”. Concluindo, o autor diz que “cada passo no sentido do enfraquecimento das bases sociais da democracia política torna um pouquinho mais possível um desastre social na escala do holocausto” (Bauman, página 140).

quinta-feira, 1 de maio de 2008

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Capítulo 5 (“Contra o inimigo comum”).

Em seu texto, Hobsbawm dá foco central às medidas políticas adotadas, ou não, entre as nações européias no período antecedente a Segunda Guerra Mundial e também durante o transcorrer da mesma. Buscando a análise do modo de funcionamento do comportamento dos países beligerantes, o autor enfatiza que é importante destacar dosi tipos de mentalidades políticas totalmente opostas que coexistem nessa conjuntura mundial de guerra e influências: ideais autoritários e conservadores contrastam com os que são, em conjunto, contrários a esse tipo de ideologia.

A existência de uma oposição comum, coletiva, à Alemanha de Hitler foi o que possibilitou uma aliança, mesmo que temporária, entre capitalismo liberal e comunismo. Ambos eram também vistos como inimigos a serem destruídos pelo fascismo alemão.

Hobsbawm destaca a Guerra Civil Espanhola no período que antecede o choque entre os países na Segunda Guerra mundial. Apoios e influências no conflito espanhol servem para elucidar os lados opostos que ideologias também tão divergentes de países europeus vieram a se posicionar. A cisão do mundo europeu, e no mundo em geral, passa a tomar forma, segundo o autor, a partir da Guerra Civil Espanhola.

O ressurgimento bélico alemão também é plausível de análise se for tomado como foco central o fato de países europeus, como França e Inglaterra principalmente, terem hesitado em se opor, mesmo que fosse ao menos limitar, essa política expansivista de Hitler. O trauma da Primeira Guerra Mundial e o temor por uma outra que possivelmente viria a acontecer, segundo o autor, foram alguns dos fatores responsáveis por essa hesitação, e tal passividade veio a tornar possível que Hitler pusesse em prática, sem quase nenhuma oposição, seus projetos nazistas.

Também é importante perceber o caráter de “guerra total”, que é típica de uma lógica que englobe as massas no aparelho estatal. O estudo dessas relações políticas permitem uma maior abrangência dos fatores e medidas que tornaram a Segunda Guerra Mundial possível . Além do mais, compreender o posicionamento das sociedades mundias perante este conflito de enormes proporções ajuda a perceber o quanto este enfrentamento bélico transformou socialmente tais países, a ponto de desencadear posteriormente em uma guerra com uma dinâmica e forma de ação totalmente diferente: a Guerra Fria.