quarta-feira, 11 de junho de 2008

Resenha: CARVALHO, José Murilo de. “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”. São Paulo: Companhia da Letras, 1987.

A importância acadêmica das pesquisas do historiador José Murilo de Carvalho fazem um contraste imenso com seu texto apresentado no livro “Os bestializados: o Rio de janeiro e a República que não foi”. A primeira impressão que tive foi que abriria mais um livro chato e monótono sobre algo a respeito da história de nosso país, bem típico de alguns historiadores que ficam tanto tempo isolados pesquisando em arquivos que parecem esquecer a arte da boa escrita, no entanto, a surpresa maior é a maneira como José Murilo de Carvalho consegue escrever um clássico da historiografia brasileira de forma simples e dinâmica, ao mesmo tempo em que expõe sua tese principal de maneira fantástica. Não se trata de um livro para os estudiosos das ciências humanas somente, mas sim algo essencial a quem se considere cidadão brasileiro.

O autor apresenta uma visão da cidade do Rio de janeiro bastante ampla ao leitor, dando ênfase a alguns problemas de cunho político, econômico e social, fruto estes da instável transição do Império para a República. A possível inexistência de um povo, no sentido político da palavra, é o que dá impulso ao trabalho do pesquisador. O autor, no entanto, reforça a idéia de que a diversidade da população do Rio de Janeiro, que crescera drasticamente em pouco tempo devido ao fato do Estado ter se tornado capital, garantiria a existência de diversos povos, e não de um único. Assim, diferentes opiniões e visões fazem parte da política no início da república, e, além do mais, pode-se também dividir a política entre os que participam dela ou não, o que José Murilo de Carvalho chama de ativos e inativos politicamente. No cenário político que acabara de se formar as eleições não serviam como instrumento de representação popular, pois eram negadas à esmagadora maioria da população. Desta forma, o autor tenta apresentar um ambiente político que não era propício à participação popular, e que por isso resultou na utilização de outros canais de atuação por parte do povo. Portanto, de indiferente à política a população do Estado fluminense não tinha nada, o que ocorria é que faziam à sua maneira a forma de agir politicamente, de expressar a cidadania, às vezes através de modos que contradiziam o que se esperaria moralmente de uma atuação política de verdade.

Essa informalidade gerou uma multiplicidade de ideologias, trazidas estas da Europa, que eram divulgadas na sociedade fluminense através da imprensa jornalística, de manifestações, de festas populares, entre outras maneiras. Tais meios representaram o modo como a população se conscientizou politicamente, segundo seus próprios costumes, seu dia-a-dia. É preciso ver que uma participação política ativa segundo os moldes europeus não vai estar presente nas práticas do povo, e é isso que o autor consegue mostrar através de uma série de exemplificações destes canais alternativos de atuação política. A população não é alheia ao que acontece na capital federal, ela só participa de uma maneira não-formal, e isso é fruto, como nos mostra o José Murilo de Carvalho, da própria República, que não permitiu a formação de cidadãos pois além de limitar o eleitorado, eliminou também do Estado a obrigação de fornecer educação ao povo. Tais medidas evidenciam a instável relação entre o governo e a população, que resulta no surgimento de uma cidadania à maneira do povo, segundo o meio social em que vivem.

O ponto alto do livro de José Murilo de Carvalho é o capítulo em que trata a respeito da revolta da Vacina. Este incidente seria a melhor expressão possível da existência de diferentes acepções acerca do que seria a cidadania, demonstrando também uma consciência política em se fazer ativa politicamente. Ocorre uma oposição à “Estadania” (termo do autor) imposta pela máquina governamental, pois através desta somente os que contribuíam seguindo os interesses do regime republicano é que seriam dignos de receber o epíteto de cidadão. Percebe-se então que nunca um humilde trabalhador estaria inserido no ambiente político proposto por essa frágil República.

A revolta, como enfatiza o autor no livro, não possuiu uma causa única. Ao contrário, foi fruto de uma multiplicidade de fatores, o que caracteriza as diferentes formas que a população via como vias de participação política, ou seja, meios diferentes da idealização do que seria a cidadania em si.

Neste caldeirão de pensamentos e ações que marcou o Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do século XX é que José Murilo de Carvalho conclui a inexistência de um povo bestializado aos acontecimentos políticos vigentes. Participações políticas formais nunca haveriam de existir, pois o próprio governo se encarregara de limitar tal ato através do voto restrito aos alfabetizados, além do uso de outros aparatos burocráticos. Porém, a Revolta da Vacina mostra como outros meios de se exercer a cidadania são possíveis, muitas vezes maneiras estas muito díspares umas das outras, mas que servem para elucidar a tese central do historiador: um regime republicano não veio a excluir o povo da via política, pois este encontrou outros canais para exprimir seus anseios, suas opiniões, ou seja, sua voz política ativa. Em suma, a consciência de nos encararmos como cidadãos existe em todos nós, e não é a máquina estatal que nos limitará, mesmo que não se transmita tais idéias da maneira de atuação vigente, deve-se expô-los da forma como melhor convir, ou da forma em que se é possível.

José Murilo contraria muitos historiadores que defendem a população de inícios da República como apática do ponto de vista político, não constituindo assim um povo em si. Em meio às idéias apresentadas pelo autor em seu livro, torna-se difícil de sustentar tais teses sobre esta possível apatia popular. Os arranjos entre o governo e as oligarquias, em nome da manutenção do poder, excluíam as massas da participação política, que por sua vez foram obrigadas a se organizarem da maneira como lhes fosse possível, estabelecendo, assim, mundos paralelos. Bestializado, como nos mostra o autor, é aquele que se guiava pela aparência do formal, pois a realidade se escondia atrás dessa formalidade. Logo, não há uma falta de intervenção do povo no seio político, e a Revolta da Vacina serve para elucidar a existência de um sentimento que defendesse a honra e os direitos do povo, mesmo que fossem tão heterogêneos o que se entenda como cidadania ou participação política.

Seja do lado da elite, Estado ou do povo, grandes nomes se fazem nesta época de intensa movimentação no Rio de Janeiro. E eis um dos grandes trunfos da obra de José Murilo de Carvalho, pois ele não mede esforços para citar diversos nomes que dão credibilidade à história sobre o início da Primeira República. Recorrendo a jornais do período, sejam escritos pela elite ou pelo povo, o autor busca detalhes mínimos para enriquecer sua obra. Percebe-se que não foram poucas as visitas aos arquivos públicos fluminenses, mas que tamanho trabalho foi recompensado pela magnitude que a obra alcançou.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Fichamento: KRAUSE-VILMAR, Dietfrid. “A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a educação política”

A possibilidade de negação das atrocidades cometidas pelos nazistas é algo que o autor repudia desde o início de seu texto, a ponto de se perguntar como a sociedade se torna suscetível a este ideal tão sem lógica, chegando mesmo a ser irracional. É importante ressaltar é que estas mesmas pessoas que falam coisas que parecem absurdas não estão isentas de criarem correntes de opiniões poderosas (como foi o próprio caso do nacional-socialismo). Tal negação pública dos crimes nazistas é chamada pelos historiadores de revisionismo. Tal corrente visa principalmente relativizar as declarações feitas pelas testemunhas da época, pois há a defesa da idéia de que os sobreviventes dos campos de concentração teriam exagerado em seus relatos. Os pontos que foram negados pelos revisionistas, segundo enumera o autor do texto, são os seguintes: o número de pessoas assassinadas, as técnicas usadas no extermínio, documentos e figuras históricas que foram apresentados, os locais dos campos de morte e a existência das câmaras de gás.

No entanto, “o cerne das afirmações dos revisionistas consiste na negação do assassinato em massa dos judeus” (KRAUSE-VILMAR, página 2). Desta forma, questiona-se também a culpa dos alemães pela guerra e a dimensão dos crimes cometidos por eles. “Essas pessoas relativizam os crimes alemães acentuando os chamados crimes de guerra dos aliados, fazendo cálculos compensatórios macabros” (KRAUSE-VILMAR, página 2). A teoria mais absurda, como elucida o autor do texto, é a de que Hitler não teria conhecimento do que estava ocorrendo aos judeus, já que tais crimes não seriam ordenados pelas lideranças máximas do partido nacional-socialista (tal idéia destituiria o caráter racional e sistemático do genocídio arquitetado pelos nazistas) O holocausto poderia até mesmo ser uma invenção elaborada pela “conspiração judaica internacional” segundo os revisionistas.

O autor nos apresenta a existência de diferentes níveis de negação, que vão desde argumentos que podem ser refutados facilmente, até hipóteses técnicas ou químicas mais complexas, que não podem ser desmentidas logo de início. “Embora tentem se fazer passar por pesquisadores científicos e sérios, o método que eles empregam não correspondem aos princípios científicos” (KRAUSE-VILMAR, página 3), já que os testemunhos das vítimas são muitas vezes tratados de maneira tendenciosa, além da apresentação da Alemanha como sendo vítima da guerra e a descontextualização arbitrária de documentos e de alguns fatos históricos. “Os revisionistas gostam de copiar coisas uns dos outros e também de citar uns aos outros. Entretanto, a quantidade de material que eles apresentam, revela-se, quando examinada mais de perto, muito pobre” (KRAUSE-VILMAR, página 6).

Outro fator que permanece, no mínimo estranho, em meio ao discurso revisionista é que quase todos os trabalhos convergem ao campo de Auschwitz, o que faz com que outros crimes sejam somente tematizados de passagem. E é preciso notar também que é característico dos revisionistas o uso de uma linguagem marcada pelo ódio e pelo desprezo, longe do ideal imparcial e objetivo das pesquisas em si.

O autor contraria a idéia de que as acusações de genocídio sistemático poderiam ser fruto do pós-guerra, até porque documentos internos do regime nazista já negam por si sós tais argumentos. Argumentos revisionistas são perigosos na medida em que são postos em circulação e atingem assim a opinião pública, no entanto, “temos a obrigação de refutar tal tolice, caso a mesma venha a obter alguma repercussão junto ao público; e devemos fazê-lo, sempre com base em argumentos” (KRAUSE-VILMAR, página 8).

domingo, 8 de junho de 2008

Resenha filmográfica: "Triunfo da Vontade". Direção de Leni Riefenstahl. Ano de produção: 1934.

O documentário de Leni Riefenstahl representa um marco no que diz respeito à propaganda nazista. Encomendado pelo próprio Partido Nacional-Socialista Alemão, e autorizado pelo führer, o filme apresentado tem a intenção original de enaltecer os primeiros anos do partido para que assim as futuras gerações pudessem olhar para trás e ver como o Terceiro Reich moveu massas populares através de uma causa comum.

O documentário-propaganda é rico em imagens, principalmente do encontro de Nuremberg, reforçando o ideal nazista da época. A própria qualidade da película é algo impressionante para a época, mostrando-se de alta qualidade, talvez como um mero reflexo no próprio partido alemão. O filme é cansativo pois mostra tudo relacionado aos nazistas no cotidiano político, como discursos, passeatas, desfiles, entre outras coisas. Ou seja, evidencia-se a imagem pomposa, ufanista e de ordenamento que a Alemanha daquela época vivia. Os desfiles parecem não acabar nunca, são exibidos uns atrás dos outros, quase que sem pausa. Se for visto como mais um filme em si, o documentário pode passar despercebido pela opinião dos que assistem por ser monótono, chato e cansativo demais (até porque a duração do filme é muito grande).

Historicamente, no entanto, o documentário-propaganda é fascinante. O próprio título já expressa tudo: uma referência à vontade de potência da Alemanha nazista. A grandiosidade é a marca registrada do documentário. A narração é mínima, nula, e somente tem espaço durante os pronunciamentos dos políticos dos personagens de partido. Riqueza de detalhes mínimos, como a euforia das massas, o modo de falar dos palestrantes, o ordenamento dos desfiles, tudo isso ganha destaque no filme pois representam a concretude de um ideal, tirando desta política um possível caráter utópico.É bastante expressivo também porque mostra a realidade, o que acontece de fato. A propaganda era o ponto forte do regime de Adolf Hitler e a mesma encontra-se em destaque ao longo da película.

Em suma, ao se ver o filme sob um olhar puramente contemporâneo ele parecerá não fazer sentido, ser chato. É preciso ver o peso histórico que as imagens possuem, o caráter simbólico, e notar o quanto pesavam fatores como propaganda e políticas de massa no regime nacional-socialista da Alemanha.

sábado, 7 de junho de 2008

Resenha literária: GRASS, Günter. "Passo de Caranguejo". Tradução de Flávio Quintiliano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

O autor alemão Günter Grass aborda o tema do neonazismo, este intimamente ligado ao chamado nazismo clássico, que está mesclado à memória e a utilização desta, através mesmo de teorias revisionistas. A história gira em torno do personagem principal Paul, que tem a vida marcada pois nascera durante o naufrágio do navio alemão Wilhelm Gustloff, que representaria a expressão máxima do ideal nacional-socialista (pois tal navio não possuiria distinção de classes, todos os compartimentos seriam iguais). A partir deste fato, o personagem, que é um jornalista, é contratado por um editor para recontar essa história em um artigo e ligá-la ao que sua mãe (também sobrevivente do naufrágio) também dizia a respeito.

Com base nessa demarcação profissional do personagem, o autor do livro nos apresenta um relato cheio de detalhes a respeito do naufrágio, não excluindo personagens principais e datas. Tal abordagem, ou seja, a tentativa de Günter Grass de inserir o leitor na análise em minúcias de tal fato torna, por vezes, monótona a leitura do livro. São páginas e mais páginas de detalhes que parecem não ter fim, como horários e outras coisas não menos importantes, mas que poderiam ficar de fora porque não fariam a menor falta. Esta enxurrada de informações quase tira o aspecto mais dinâmico do livro, e o que dá certa emoção durante a leitura: a própria pesquisa do personagem Paul em busca de informações a respeito do navio na internet, além da lembrança de fatos que sua própria mãe enaltecia, o que faz com que ele entre em contato com sites neonazistas.

Durante esta busca o jornalista entra em diversos chats neonazistas para buscar informações e datas. Sua narrativa a respeito do naufrágio gira em torno de três personagens principais que estão intrinsecamente ligados: Wilhelm Gustloff, David Frankfurter e Alexander Marinesko. O primeiro seria o chefe da divisão do partido nacional-socialista na Suíça. Homem empenhado em uma ideologia, político vigoroso e exemplo de dedicação a ser seguido. O segundo personagem trata-se se um estudante de medicina judeu que, buscando defender sua identidade como tal e servir de exemplo a todo povo judaico, assassina o político alemão a tiros. Tal ato segue-se com a prisão do estudante e também com a identificação do político alemão assassinado como um exemplo a nunca ser esquecido, um “mártir” a ser rememorado. Tal identificação como “mártir” faz com o grande navio nazista da época seja batizado com seu nome, Wilhelm Gustloff. Este navio seria a expressão máxima da política alemã, pois não apresentaria divisão de classes e seria usado em prol do povo alemão, seja em excursões para os trabalhadores, ou em uma possível guerra. Alexander Marinesko é o comandante russo do submarino que lançou três torpedos contra o navio alemão, provocando seu naufrágio. Günter Grass explora ao máximo o caráter simbólico de cada ação, analisando as particularidades de cada personagem.

Em meio ao relato do naufrágio com base na história de vida destes três personagens principais, o jornalista Paul se insere na história também pois aos poucos vai se identificando com algumas características de cada um. Neste sentido, reavalia sua vida em si, seu papel como profissional, filho, marido, pai, e até mesmo seu papel como cidadão da Alemanha. A narrativa do autor do livro mistura o retrospecto jornalístico do personagem principal a respeito do naufrágio à análise de sua própria vida, o que torna a leitura do livro um pouco complicada. De uma hora para outra o relato dá espaço a uma lembrança pessoal de Paul. Esta forma de se escrever é dinâmica, e a própria lógica da história catalisa esta ação, porém, o autor ora dá demasiada importância ao relato em si, ora às lembranças pessoais do personagem. Raros são os momentos em que essa mescla de informações ocorre de maneira orgânica, por assim dizer, acompanhando o caráter de texto corrido, integrado, uno, que o autor tenta atribuir à sua obra.

A pesquisa na internet faz com que o personagem Paul entre em contato com um neonazista que assume um discurso muito similar ao que seu próprio filho, Konny, usara ao expressar sua opinião a respeito de um assunto político. Aos poucos, Paul descobre que o revisionista do outro lado da tela do computador é seu próprio filho, que encontrou bases nos discursos da própria avó para assim recontar a história do naufrágio segundo uma perspectiva que favoreça aos alemães. A partir deste ponto, o livro parece tomar um rumo totalmente diferente, o que o torna mais atrativo de se ler. Pode-se dividir o livro em dois tomos, e essa descoberta por parte do personagem representa este ponto de cisão.

Paul é dual, pois ao mesmo tempo em que busca uma maior aproximação paternal com o filho, devido a descoberta de que o mesmo se trata de um neonazista, esta ocorre de maneira intimamente jornalística e investigativa, e não de uma maneira sentimental. É um personagem problemático, que se vê preso ao passado (pois nascera durante o naufrágio) e por isso rejeita tudo o que se relacione a ele, porém, esquece de usar esta própria vivência em prol da educação moral do filho. Desta forma, Konny cresce em meio às influências da avó, que vive rememorando o navio alemão, contando suas lembranças, perpetuando um certo ideal na cabeça do menino. Günter Grass dá enfoque a esse aspecto, para ele passado e futuro convergem na mentalidade de Konny simultaneamente, pois ao mesmo tempo em que ele tem acesso ao passado (as lembranças da avó Tulla) também se encontra associado ao futuro, pois é por meio da internet, do computador, que ele divulga suas idéias e opiniões.

De início, parece que a trama em si é só um pano de fundo, e o que Günter Grass abordaria mesmo de fato seria o neonazismo. Porém, tal pano de fundo se torna essencial para mostrar como passado e futuro estão intimamente ligados, que o neonazismo não passa de algo parecido com o nazismo em si, porém, atendendo a uma conjuntura própria de sua época, encontrando meios de divulgação próprios, ou seja, tendo uma dinâmica tão específica que por fim se torna diferente do nazismo dito clássico.

O modo de escrita do autor é no mínimo desconcertante, forma-se uma espécie de tempo paralelo, pois o que ele vive se liga ao seu passado, e o que seu filho vivencia se liga ao passado do pai e da avó, e ao mesmo tempo marca o presente dele. A opção de narrativa do autor é o que podemos dizer de diferente do habitual e, portanto, ousada. Tal escolha dá um tom muito pessoal à obra de Grass.

Em suma, trata-se de uma obra muito boa a respeito do nazismo, até porque mostra que o mesmo não se pode dar como finalizado já que encontra meios diferentes que propagem a sua existência (no caso, a internet). O autor é altamente contemporâneo, pois consegue encaixar sua obra perfeitamente ao tempo em que ela é escrita, não deixando que a mesma se encontre desvinculada dos fatos históricos em si. O que pode parecer monótono e factual de início ganha complementaridade a partir do momento que a narrativa se desenrola. A obra ganha densidade ainda maior quando se lembra que o próprio Grass participou da Segunda Guerra Mundial - não como vítima, mas como membro da juventude hitlerista (o que veio à tona faz pouco tempo, resultando em imensas críticas ao autor). Günter Grass só teve consciência do mal que representou o furacão nazista muito tempo depois dos estragos, e ainda bem que tal percepção resultou na ação mais importante de todas: a produção de um excelente livro a respeito do tema. Em suma, o tema é evidenciado pelo autor com um problema muito mais atual do que simplesmente de cunho histórico.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

"História de vida: uma percepção historiográfica no dia-a-dia". Texto de Vitor Lopes Moreira.

Recordo-me muito bem do meu primeiro contato com a História, quando passei a ter esta disciplina no colégio, introduzida à grade colegial na quinta série do ensino fundamental. Fiquei impressionado com a gama de informações e conhecimentos que a mesma me presenteou. Achava-me em pleno contato com mundo, em pleno contato com a verdade, e tudo isso foi resultado do meio como a História era ensinada no colégio.

Uma História puramente factual, linearmente marcada no tempo, detentora de todas as certezas, e presa em suas datas. Olhando a objetividade deste tipo de História ensinada, até parece a História científica1 proposta por Ranke. Porém, esse método de ensino, adotado enquanto cursei o ensino fundamental e médio, não faz mais que tornar a História irrelevante no espaço em que a mesma ocupa, tanto em nosso cotidiano quanto em nosso ambiente cultural. Esse tipo de História que esteve presente na maior parte da minha vida encontrava-se, embora eu não soubesse na época, afastada de sua principal finalidade: “levar o homem a refletir sobre as formas de vida e de organização social em todos os tempos e espaços, procurando compreender e explicar suas causas e implicações2.

Passei a conhecer a “outra face” da História a partir do momento em que ingressei na faculdade (mais especificamente, quando entrei em contato com o estudo da teoria da História). Confesso que sofri um choque quando iniciei os estudos de metodologia da História. Era difícil aceitar essa outra visão da História, conflitante e dinâmica, muito diferente da qual eu estava acostumado. Foi preciso desconstruir tudo o que eu tinha aprendido até aquele momento sobre o que era História. Hoje em dia, vejo que o termo “domesticado” é bem melhor empregado do que o termo “acostumado”, logo, eu me pergunto: Por que essa domesticação aos alunos para que estudem uma História que no futuro não virá a lhes servir para nada? Sem um pingo de reflexão ou compreensão, esse método aplicado nas escolas limita intelectualmente os alunos.

Digo isto porque eu fui um dos que sofreram um “baque” imenso ao entrar em contato com esse novo saber, talvez não o sofresse se não escolhesse a disciplina História para me graduar, porém, provavelmente continuaria cego ao que realmente ocorre no mundo devido a uma limitação causada por uma infinidade de datas e nomes próprios que não iriam servir de nada para o meu desenvolvimento intelectual. Creio que as datas são importantes para nos situarmos temporalmente, porém, dedicar-mos somente à essa forma de estudo nos ocultaria o que de mais extraordinário há: as formas de pensar, os ideais, os sentimentos, entre outras coisas.

Quando o meu horizonte histórico se ampliou (a partir do momento em que entrei na faculdade), vi que a verdade está muito além do que eu imaginava (isto, é claro, se eu ignorar o possível fato da verdadeira e única verdade não existir, o que é uma possibilidade). Assim, se não teria como saber a verdade sobre o passado, então, por que continuar procurando por elas? Concordo com a opinião de Keith Jenkis3 a respeito da busca pela verdade, pois considero essencial que esta perseguição a um ideal é o que deve prevalecer.

Algo que também creio que está presente em nossa natureza é a dúvida, a incerteza. O pensamento cético4 é fundamental, e deve ser estimulado (o que não acontece nas escolas). Adota-se uma postura, nessas instituições de ensino, de que o que se está trabalhando seja o verdadeiro, o imutável, mesmo se sabendo que não possuem argumentos, e muito menos bases, para comprovar isso.

Talvez eu seja impossibilitado, no futuro, de ensinar a História tal qual ela é, devido às necessidades e aos interesses das pessoas que irão me empregar em suas instituições de ensino. Porém, lutarei para que eu possa passar aos meus alunos a História reflexiva, dinâmica (com base em fatos sim, mas não totalmente factual). Apresentar os fatos como uma cadeia de acontecimentos cristalizados está fora dos meus planos, e, tenho que admitir que o estudo da teoria da História contribuiu para que eu pensasse dessa forma diferente.

O estudo da metodologia histórica não contribuirá apenas para minha futura vida acadêmica ou profissional somente, mas sim para o meu modo de viver como um todo. Hoje em dia, por exemplo, eu abro as páginas do jornal e as leio tentando entender todo o contexto em que uma determinada notícia está inserida, buscando entender o que o autor da matéria tentou passar ao público, e, não aceitando assim de imediato o que está escrito, sentindo uma necessidade de questionamento e reflexão quase que naturais. Outro exemplo é que quando fui ler a literatura de Gabriel García Márquez5, recentemente, pude perceber a noção de tempo cíclico que o autor tenta passar aos leitores. Achei interessantíssimo, pois, creio que se eu não estudasse a teoria da História, essa noção de tempo do autor passaria despercebida por mim, além, também, do motivo pelo qual ele tenta empregar esta idéia em seu livro.

O estudo da teoria da História auxilia também no que diz respeito às outras disciplinas oferecidas pelo curso de História nas faculdades. Ao estudar a História da América , da África, ou afins, uma certa “bagagem experencial”, que é dada através da metodologia, é indispensável, pois, a partir daí o aluno se sentirá mais seguro para não cometer erros, como o anacronismo por exemplo. A noção de que a História possui um tanto de subjetividade deve ser levada em conta ao se estudar outras disciplinas. Não se deve exaltar-se, esquecendo da objetividade, que por menor que haja na História, deve existir. Não devemos pensar qualquer coisa a respeito de qualquer época, pois tudo depende de seu contexto histórico. Desta forma, a teoria serve para impor estes e outros limites.

À leitura do autor alemão Jörn Rüsen6, notei que o caráter reflexivo e o conhecimento só surgem a partir do momento em que o historiador faz uma auto-reflexão acerca de seu trabalho e de sua função na sociedade. A auto-reflexão é o início do interesse para os “produtores de história” (termo usado por Keith Jenkis, o qual gostei muito), sendo assim, compartilho a mesma idéia do autor: que a teoria da História contribui para formar a capacidade de reflexão. Os historiadores, durante seus estudos e pesquisas, devem levar em conta e pensar a respeito do objetivo de sua prática profissional. Deste modo, as fontes não dizem por si sós, e o interesse no conhecimento histórico surge a partir de que a formação de certos tipos de idéias visa suprir uma certa carência de orientação no tempo.

A meu ver, a teoria da História visa não somente explicar o que é a História em si, mas também, como o ofício do historiador se insere nas relações de poder em qualquer em qualquer formação social de que ele se origine.

Concluindo, o estudo da teoria da História visa, principalmente, mostrar que a mesma não se preocupa em rememorar o passado somente. Visa muito mais além, mostrando que a História se trata de um discurso cambiante e problemático (tendo como pretexto um aspecto do mundo, o passado) produzido por historiadores (cujas cabeças e o modo de pensar estão no presente), que trocam seu ofício uns com os outros e cujos produtos, uma vez colocados em circulação, encontram-se sujeitos a uma série de usos teoricamente infinitos, mas que na realidade correspondem a uma infinidade de bases de poder que existem naquele determinado momento, e que estruturam e distribuem ao longo de um espectro do tipo “dominante” ou “marginal” os significados das História produzidas.

Notas:

1) O contraditório é que este tipo de História, ministrada no colégio, não tinha nada de científica pelo simples fato de não haver contato com as fontes (o que Ranke propunha primordialmente), e sim, somente com uma determinada historiografia. O que qualquer autor dissesse deveria ser encarado como verdade única e imutável. E, indo contra suas formações universitárias, os próprios professores em sala de aula guiavam-se exclusivamente pelos livros didáticos, não estimulando assim os questionamentos e as dúvidas. Apresentavam somente os fatos, as certezas, sem direito às dúvidas, inibindo assim o surgimento de um pensamento cético, crítico. O que ocorria era a imposição de uma certeza, de uma verdade. Assim, ao longo do meu ensino fundamental e médio, não pude desenvolver um pensamento crítico, pois este fora abafado por uma História dita verdadeira, imposta aos alunos à força.

2) Esta definição para a finalidade do estudo da História encontra-se no livro “O que é História”, de Vavy Pacheco Borges. Segundo esta autora, presente e passado estão indissociavelmente ligados na História, tornando assim o ensino e o estudo dessa disciplina, imprescindíveis para o perfeito entendimento dos tempos modernos. Para a autora, o passado visto por si mesmo, o passado pelo passado, tem um interesse muito limitado, e, por vezes, nulo. A História que deve existir majoritariamente não deve visar a explicação desse passado distante e morto, e sim, contribuir para a explicação da realidade em que vivemos. Assim, a História, sendo uma forma de conhecimento da verdade, está sempre se constituindo, pois o conhecimento que ela produz nunca é perfeito ou acabado.

3) Keith Jenkis, em seu livro “A História Repensada”, diz que sem a verdade, certas pretensões (objetividade, essência, essencial, imparcialidade) que determinam as coisas de uma vez por todas, ficariam impotentes. Segundo o autor, a objetividade é um fator importantíssimo para que se possa haver a discriminação entre relatos rivais envolvendo um mesmo problema.

4) Segundo Plínio Junqueira Smith (em seu livro: “Ceticismo”), para que uma pessoa conheça de fato algo, três condições devem ser cumpridas. Em primeiro lugar, a pessoa precisa crer naquilo que diz, ou seja, ela precisa acreditar no que está dizendo, pois, alguém pode muito bem dizer uma coisa que de fato é verdadeira, mas que não acredita. Assim, essa pessoa não sabe o que afirma. Seguido disso, o autor diz que obviamente, nossas crenças podem ser falsas – e uma crença falsa nunca é conhecimento. Então, a segunda condição necessária para o conhecimento é que a crença seja verdadeira. Por último, quando um indivíduo tem uma crença verdadeira, ele deve ser capaz de dar uma boa razão para a sua crença, deve ser capaz de justificá-la adequadamente. Portanto, Plínio Junqueira Smith afirma que uma pessoa sabe alguma coisa quando cumpre essas três condições: (1) ela precisa crer no que diz (ou pensa); (2) sua crença tem que ser verdadeira; (3) ela precisa dar uma boa razão ou justificar adequadamente a sua crença. Assim, o autor define o conhecimento como uma “crença verdadeira justificada”.

5) Em seu livro, “Cem anos de solidão”, Gabriel García Márquez, através de um personagem (a matriarca da família Buendía, que se chama Úrsula), tenta fixar a idéia de tempo cíclico nos leitores. Úrsula vive evocando que o tempo volta a se repetir devido à semelhança entre os integrantes de sua família. As características de uma pessoa estão, muitas das vezes, presentes em seu sucessor. A própria genética atua como o fator que torna o tempo a agir ciclicamente. Talvez o autor adote essa idéia somente como a opinião de seu personagem, ou, que a crença de seu personagem seja a sua própria.

6) Em seu texto “Tarefa e Função de uma Teoria da História” (capítulo 1 do livro “Razão Histórica. Teoria da História: os fundamentos da ciência moderna”).


Fichamento: GOODRICK-CLARKE, Nicholas. "Sol Negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade". São Paulo: Madras, 2004 (pp.397-401).

O autor afirma que a extrema direita racista européia, e mundial, não “cresceu em um vácuo” (GOODRICK-CLARKE, página 397), mas sim como uma resposta ao crescente número de imigrantes que adentraram em diversos países europeus e também nos EUA, no final da década de 50. Assim, grupos neonazistas passaram a defender a idéia de que um domínio racial branco poderia estar ameaçado, o que fez com que o princípio de raça ganhasse destaque em meio aos cultos arianos. Muitas políticas adotadas também possuíam um caráter altamente discriminatório. “Privilégios fornecidos pelo governo com base na raça, por sua vez, estimularam o crescimento da extrema direita racista” (GOODRICK-CLARKE, página 398). Percebe-se um apoio liberal da ação afirmativa, que ultrapassa o caráter meramente racista.

Os brancos viveriam em meio a uma era degenerada pelas misturas raciais e sociais. “Cultos arianos e o nazismo esotérico afirmam poderosas mitologias para negar o declínio do poder branco no mundo” (GOODRICK-CLARKE, página 398), o que é expresso pelo pessimismo cultural de Miguel Serrano e Savitri Devi, por exemplo. Lamenta-se a derrota alemã na II Guerra Mundial e o triunfo do liberalismo na ordem internacional. Desta forma, um multiculturalismo, somado à imigração, gera tais cultos que buscam o reforço de uma identidade com base na raça. Há “a ascensão de um novo nacionalismo como uma cultura de resistência às recentes forças de globalização e de imigração” (GOODRICK-CLARKE, página 399). Vê-se muitas vezes o aumento dasimigrações como fator resultante de problemas econômicos e culturais.

“O surgimento de gangues racistas de skinheads, a música do white power e a transformação do racismo neonazista em novas religiões populares de identidade branca espelham claramente os crescentes níveis de imigração para países ocidentais e as conseqüentes pressões na direção do multiculturalismo” (GOODRICK-CLARKE, página 401). Nota-se que a desestabilização das democracias ocidentais no pós-guerra geraria ações baseadas em cultos e esoterismo, somadas ao reforço da extrema direita, como um meio de retorno ao passado, onde o que se busca de fato é a legitimação da superioridade de uma identidade branca.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Resenha filmográfica: “Arquitetura de Destruição”. Diretor: Peter Cohen. País: Suécia. Ano de produção: 1992.

O documentário de Peter Cohen é considerado um clássico no que se refere ao nazismo. No entanto, não se trata de mais um daqueles estudos puramente históricos e factuais do regime, e sim, uma busca de explicação do fenômeno alemão por meio da “estética nazista”, da arte e da arquitetura, nos planos e no ideário de Adolf Hitler. O que seria uma única crítica ao documentário não o é, pois o próprio diretor sueco especifica seu recorte de discussão. Desta forma, o hitlerismo alia estética à política como meio de motivação e impulsionamento de um ideal.

A arte era importante ao nazismo, mas somente a “boa”, pois a má era considerada depravação. Para os idéias de Hitler, a arte era a representação da superioridade da raça ariana, em contraposição às demais. A arte moderna foi apresentada como uma degeneração, fruto de uma inferioridade, que só serviria como exemplo para se mostrar como tais obras distorciam o valor humano e na verdade representavam as deformações genéticas existentes na sociedade. Peter Cohen é fascinante nessa parte do documentário, ao mostrar imagens de exposições organizadas pelo regime fascista, onde se comparavam as obras consideradas de valor à arte depravada. O que é importante ressaltar, e que está intrínseco nesta parte do documentário de Cohen, é o papel das exposições, museus e outros meios de demonstrações culturais, como uma forma de gerar tendências, propondo ideologias, respostas estas aos anseios sociais de uma geração específica, marcada pela derrota da Primeira Guerra Mundial e buscando reconquistar o prestígio de grande nação.

O filme é rico em imagens de planos mirabolantes de Adolf Hitler em seus projetos arquitetônicos. O führer colocava sobre arquitetos e artistas o fardo de construir uma nova Alemanha. Recorreu também a médicos, para que montassem teorias racistas e aplicassem monstruosos programas de eutanásia, eliminando assim portadores de deficiências físicas e mentais, contribuindo assim com o esforço de limpar o Terceiro Reich da “sujeira biológica”. O afiado valor estético nazista alia medicina à arte, e o diretor sueco explora isso muito bem ao longo do documentário pelo show de imagens que apresenta ao espectador.

Enfim, Peter Cohen apresenta Hitler com uma profundidade muito maior do que é mostrada em muitos livros ou filmes de história. O documentário foca bem isso ao mostrar o líder nazista construindo seu exército nos mínimos detalhes, desde a criação de uniformes até a organização de desfiles militares e demais apresentações do exército alemão em público. Há um projeto grandioso para o Reich, e Peter Cohen introduz esse pensamento nazista na percepção de quem assiste ao filme, mostrando como o ideal nacional-socialista é fomentado em seus mais íntimos aspectos. A dimensão absoluta que Hitler queria dar à sua megalomania destrói muitos conceitos morais existentes, o principal, que esse “embelezamento” só poderia acontecer através da destruição, o que chega a ser um paradoxo. O diretor é feliz na escolha de imagens, e até mesmo no seu discurso, tirando assim uma imagem de “lunático” ou “louco” que muitos atribuem a Hitler, enfatizando seu lado pensante e meticulosamente organizado, atribuindo assim um caráter altamente racional ao regime nazista em si.

sábado, 24 de maio de 2008

Fichamento: VIZENTINI, Paulo F. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão histórica e conceitual” .

O tema abordado ao longo do texto de Vizentini é o neonazismo. Para isso, o autor acha indispensável uma análise do nascimento, da expansão e da derrota dos regimes europeus em si. Um período de “hibernação” será também essencial para o ressurgimento de tais movimentos, desta vez modificados sob o contexto cultural e social dos anos 80 e 90. É preciso ressaltar, porém, que “o nazismo faz parte da extrema direita, mas nem toda a extrema direita é exatamente nazista ou neonazista” (VIZENTINI, página 1). Atribuir a tais movimentos um caráter periférico na sociedade também é um erro, pois um possível efetivo reduzido não é o bastante para se negar uma tal importância e perigo.

A crise oriunda da Primeira Guerra Mundial cria e gera o espaço necessário para o desenvolvimento de movimentos ditos fascistas. Da mesma forma, o neofascismo surge segundo circunstâncias próprias. Cada movimento ou regime, em sua época, foi diferente um do outro. O autor aponta para a conivência internacional que houve com relação a regimes desse tipo na Europa, e essas ligações e conexões internacionais permitiram com que o fascismo se afirmasse, pois podem muito bem permitir que um neofascismo se perpetue também. Não deve haver motivos para surpresas, pois negociações e acordos possibilitam com que a política seja desta forma.

Importante ressaltar também o que o autor chama de “colaboracionismo ativo”, que seria a existência de vários grupos políticos e sociais que teriam apoiado o nazismo (no caso alemão), quebrando um pouco o paradigma de uma ocupação alemã plena nos países. Certas camadas sociais, principalmente as elites, participam através de uma espécie de comprometimento.

Uma reconstrução política e econômica da Europa pós-guerra possibilitou que fatores e atores que propiciaram a existência do fascismo sobrevivessem, ainda que em estado de “hibernação”. Houve também uma série de redes internacionais de solidariedade que levaram várias personalidades, elementos importantes do regime derrotado, a buscar refúgio tanto nos EUA quanto no Canadá, mas também nas periferias (na América do Sul esse episódio é bem conhecido). O fascismo sobrevive de uma forma diluída, atendendo às necessidades dos novos tempos, porém, não perdendo a sua força jamais, mas sim adequando-se a um novo ambiente do pós-guerra que já era favorável por si só, onde há um ressurgimento da extrema direita e do neonazismo.

O surgimento de alguns capitalismos bem sucedidos no Terceiro Mundo gera certo “perigo econômico” ao Velho Mundo, o que resulta em movimentos xenófobos como meio de reação. A estagnação e regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte também contribuiu para um fluxo migratório elevado para estes países, visando a ocupação de certos cargos que careciam de mão-de-obra. À essas “invasões bárbaras” soma-se o surgimento de alguns movimentos de contra-cultura (como os hippies e os skinheads por exemplo), uma alavanca para o recrutamento visando organizações neofascistas.

A queda dos últimos regimes ditos fascistas (Salazarismo, Franquismo e o regime dos coronéis gregos) na década de 70, faz com que a extrema direita de reorganize, buscando principalmente integração, seguindo a conjuntura temporal vigente, essencial para a sobrevivência dessa direita neofascista.

A retomada do liberalismo na economia dos anos 80 faz com que os europeus tenham medo de novas instabilidades. Tensões sociais encontram uma válvula de escape na xenofobia e no racismo, que representam também o motivo de aderência de um apoio social às bases de movimentos e partidos da direita européia. O cenário político europeu dos anos 80 caminha assim para a direita através da eleição generalizada de governos conservadores na Europa. Todo um rearranjo político é montado. “O que interessa e preocupa não é a manipulação política que se faz desses movimentos, mas, sim, o porquê de largas categorias da população aderirem a eles” (VIZENTINI, página 8). O desencanto das pessoas com os partidos, políticos e instituições democráticas do pós-guerra, segundo o autor, é preocupante, e é o que faz com que um discurso neofascista ganhe espaço.

A globalização teria também produzido um enfraquecimento do Estado nacional. Assim, “se começa a recriar entidades supostamente étnicas, gerando com isto um fenômeno conflitivo e racista” (VIZENTINI, página 9), o que dá margem a ideais neofascistas. O autor aponta que tais problemas não são de origem étnica e racial simplesmente, mas tratam-se também de questões socioeconômicas e políticas.

Sob tais aspectos, Vizentini analisa os regimes fascistas em si e, segundo uma conjuntura específica, o ressurgimento de tais idéias, camuflados por um discurso ultra-direitista que atende aos anseios de uma sociedade desiludida com as democracias do pós-guerra e, ao mesmo tempo, assustada com as diretrizes econômicas e sociais que a Europa pode tomar como rumo.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Fichamento: PAXTON, Robert O. A Anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 7 (pp. 283-334).

Ao delimitar o marco inicial do fascismo a partir do momento em que a democracia das massas entra em plena operação, encontrando assim suas primeiras instabilidades, o autor inicia seu trabalho questionando a existência ou não, em qualquer um dos chamados neofascismos, de agentes poderosos o suficiente, fruto estes de uma especificidade temporal, a influenciar políticas governamentais. “O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico, após 1945, foi a repugnância que ele veio a inspirar” (PAXTON, página 284), e isto foi apenas uma das barreiras que essa possível ressurgência encontrou. Há também as questões metodológicas, onde cada coisa, mesmo que igual, aconteça segundo seu contexto histórico, o que sugere que tal regime não poderia voltar a existir após 1945, ou pelo menos não da mesma forma. Assim, como diz o próprio autor, “um fascismo do futuro (...) não teria que ter uma semelhança perfeita com o fascismo clássico” (PAXTON, página 286-287).

É preciso elucidar que tal posse de signos e símbolos através de uma perspectiva diferente não tornaria tais possíveis movimentos menos perigosos, pois há uma moldagem destes regimes pelo espaço político em que se desenvolvem. O que Paxton tenta mostrar logo no início de seu texto é que tal renascimento fascista não se baseia em uma repetição exata, mas sim em um equivalente no que diz respeito à função.

Uma Europa pós-1945 presenciou ainda a existência de partidos da ultra-direita que não possuíssem considerável representação, porém, que ganham espaço ao longo do tempo, pois aprenderam com seus próprios erros de se isolarem politicamente, buscando assim novas alianças políticas, resultando estas de uma adequação aos novos tempos. Tais políticas foram incentivadas ainda mais pelo crescimento do xenofobismo, que se acentuou devido ao amento da imigração de habitantes de antigas colônias européias para os países do velho mundo (resultado do fim do imperialismo). Mesmo que não chegassem ao poder, partidos com uma política próxima ao fascismo mudaram o cenário político de seus respectivos países. Paxton também chama atenção ao caráter das gerações nos movimentos quando fala que “embora alguns filhos tenham levado adiante a mesma causa de seus pais, novos recrutas, dando voz a novas queixas, trouxeram novo ímpeto à direita radical européia” (PAXTON, página 294). As mudanças pós-45 levantaram novas questões, o que preparou o público à novos movimentos e partidos de direita, alcançando estes maior êxito nas décadas de 1980 e 1990.

Os governos e partidos convencionais não souberam lidar com os novos problemas enfrentados pela Europa Ocidental após a década de 1970, o que deu brecha para o aumento de partidos políticos alternativos. Em meio a esse cenário não havia um inimigo comum, porém, era marcado por vários problemas, como por exemplo: a globalização, os imigrantes estrangeiros, o multiculturalismo, o enfraquecimento das identidades nacionais e, principalmente, “políticos incompetentes que não sabiam lidar com essas ameaças” (PAXTON, página 297). Aqui surgem oportunidades para novos movimentos de extrema-direita na Europa (o maior exemplo é a Frente Nacional, da França).

Porém, a preocupação do autor não é o surgimento de tais partidos e movimentos somente, mas sim até que ponto estes se relacionam com a sociedade européia em si, respondendo seus anseios, solucionando seus impasses, ou seja, integrando-se a ela. Até que ponto tais alternativas políticas “normalizaram-se” em meio a tal sociedade? Esta pergunta define a intenção do debate principal proposto pelo autor.

Tais movimentos e regimes não atendiam às exigências de um “fascismo clássico”, nem mesmo se taxavam como fascistas, porém, nas entrelinhas desses discursos direitistas percebe-se um “criptofascismo” (PAXTON, página 303), adequado, é claro, ao seu contexto temporal e geográfico. “Nos programas e declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos” (PAXTON, página 304).

No entanto, temas fascistas clássicos como o ataque à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a repulsa às constituições democráticas e ao estado de direito, a efetivação de guerras de expansão nacional, não encontram-se presentes nessa nova política ultra-direitista de fins do século XX. O que se deve comparar não são apenas programas e retóricas, mas também as circunstâncias contemporâneas com as da Europa entre-guerras. O autor conclui que “em suma, ainda que a Europa Ocidental, a partir de 1945, tenha tido ‘fascismos herdeiros’, e ainda que, a partir da década de 1980, uma nova geração de partidos de extrema-direita, normalizados, apesar de racistas, tenha conseguido até mesmo ingressar em governos locais e nacionais na qualidade de parceiros minoritários, as circunstâncias, hoje em dia, são tão diferentes da Europa do entreguerras que não há abertura significativa para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico” (PAXTON, página 307).

A maioria dos Estados do Leste Europeu presenciou, a partir de 1989, o surgimento de uma direita radical, embora, em sua maioria, tais movimentos não tenham obtido força o suficiente. O fim da URSS foi essencial para a amergência de tais políticas. Um destaque foi o regime de Milosevic na Sérvia que, embora não tenha sido um fascismo de fato, pode ser taxado como um equivalente funcional.

O campo da equivalência no que diz respeito à função amplia-se ao se levar em consideração a América latina e a África. Ex-colônias, com uma tímida emergência de uma democracia após tal período, são propícias a governos autoritários e tirânicos, porém, deve-se delimitar os limites de tais governos a um fascismo em si. O Peronismo e o Varguismo são exemplos de como “a avaliação das ditaduras latino-americanas pela ótica do fascismo é uma empreitada intelectual perigosa” (PAXTON, página 320). “Para que a comparação seja correta, temos que distinguir entre os diversos níveis de similaridades e de diferenças. As similaridades são encontradas nos mecanismos de poder, nas técnicas de propaganda e na manipulação de imagens e, ocasionalmente, em políticas específicas tomadas de empréstimo ao fascismo, tais como a organização corporativista da economia. As diferenças se tornam mais aparentes quando examinamos os ambientes sociais e políticos e a relação desses regimes com a sociedade” (PAXTON, página 320-321). Não existiu, como conclui o autor, um fascismo pleno e autêntico nos países latino-americanos no período entre 1930 e 1950. No caso do Japão, este visou, através da seletividade, algumas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular (implementada pela ação estatal), ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado típico dos movimentos fascistas. É fato que o Japão imperial se inspirou em modelos fascistas, compartilhando características importantes com estes, entretanto, faltava a base de um partido de massas único ou de um movimento popular aos governantes. Não se devem esquecer também os regimes ditatoriais da América Latina que eram sustento aos interesses norte-americanos ou europeus (o Chile de Pinochet, por exemplo), que já foram classificados, nas palavras do autor, de “fascismos clientes”. Não são fascismos em sua essência, pois dependem de um apoio e agem segundo um influência externa.

Paxton enfatiza que “uma minoria subjugada pode empregar uma retórica semelhante à do fascismo, mas não há qualquer possibilidade de ela vir a se lançar em seu próprio programa interno de ditadura, purificação e expansionismo” (PAXTON, página 331). Ao se questionar sobre a possibilidade da religião agir como um equivalente funcional do fascismo, o autor chama a atenção de que “um fascismo religioso, inevitavelmente, viria a impor limites ao seu líder por meio não apenas de poder cultural do clero, mas também dos preceitos e valores da religião tradicional” (PAXTON, página 331), porém, não se deve esquecer que a religião em si pode ser tão poderosa quanto a nação no caráter de propulsor de uma identidade.

Ao final de sua exposição, Paxton conclui que não se pode nem se deve buscar réplicas perfeitas dos movimentos fascistas ditos clássicos. Movimentos da direita souberam moderar seus discursos e abandonar o simbolismo do fascismo clássico, parecendo assim “normais”, no entanto, não se deve diminuir a probabilidade de virem a exercer influência, engajando assim partidários à sua doutrina. O estudo do movimento fascista, seja ele clássico ou contemporâneo (com suas modificações apropriadas), arma os cidadãos de saber distinguir políticos desprezíveis e imitadores dos “autênticos equivalentes funcionais do fascismo” (PAXTON, página 334).

domingo, 11 de maio de 2008

Fichamento: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998. Capítulo “Singularidade e normalidade do holocausto”.

O autor inicia seu texto elucidando a dificuldade de compreensão do holocausto visto sua monstruosidade, ao mesmo tempo em que afirma que a nossa própria civilização ocidental foi que tornou tal fato incompreensível. Ao afirmar que as instituições sociais fogem ao nosso controle prático e mental, amplia-se a discussão do assunto além dos limites acadêmicos. Aspectos da civilização que tornaram o holocausto possível ainda estão por aí, o que não elimina a possibilidade de uma reincidência. Bauman chama a atenção, de uma forma até irônica, à ilusiva segurança de nossa “civilização superior”.

Deve-se, primeiramente, retirar o caráter de acidente histórico pertencente a este genocídio que ocorrera de forma tão sistemática e racional. Ao longo do capítulo, percebe-se que “se havia algo em nossa ordem social que tornou possível o holocausto em 1941, não podemos ter certeza de que foi eliminado desde então” (Bauman, página 109). O que não se pode esquecer é que o sistema moderno é poderoso e influenciador, e não há poder ético-moral mais alto que o Estado.

As verdadeiras causas da preocupação que giram em torno do holocausto são que as normas e instituições da modernidade o tornaram possível e, além do mais, nota-se a ineficiência das redes de controle e equilíbrio que seriam fruto de um processo dito civilizador. Assim, “vivemos num tipo de sociedade que tornou possível o holocausto e que não teve nada que pudesse evitá-lo” (Bauman, página 111), o que atribui ao estudo de tal fenômeno a possibilidade de saber até onde o mesmo pode reincidir ou não.

O holocausto é algo singular na medida em que sua efetivação contou com aspectos tipicamente modernos, e foi superior na medida em que tal sociedade o institucionalizou. Um genocídio frio, completo e sistemático só foi possível com base em uma moderna sociedade racional. “O assassínio em massa contemporâneo caracteriza-se, por um lado, pela ausência quase absoluta de espontaneidade e, por outro, pelo predomínio de um projeto cuidadosamente calculado, racional” (Bauman, página 114). O genocídio moderno é único visto que segue um propósito, onde tal etapa visa um fim maior, é um elemento de engenharia social que visa produzir um ordenamento social segundo um projeto cultural tipicamente moderno, onde se almeja um arranjo perfeito das condições humanas. O que há é uma “intervenção consciente” a uma sociedade perfeita. O mundo moderno possui um anseio por uma ordem melhor, mesmo que esta seja necessariamente artificial. A sociedade se molda e se constrói de maneira mecânica, e o genocídio através do holocausto trata-se de uma etapa a ser cumprida, visando um fim maior (a “sociedade perfeita”). Nas palavras do autor, “o holocausto é um subproduto do impulso moderno em direção a um mundo totalmente planejado e controlado (...)” (Bauman, página 117).

Segundo Bauman, a peculiaridade do holocausto que o torna único depende de dois fatores: o fato de ser moderno e por trazer à luz elementos da modernidade que normalmente seriam mantidos à parte. O importante é ressaltar a importância de certos mecanismos sociais na busca por um sonho modernista de uma sociedade perfeita, que servem como um meio de silenciar, ou até mesmo neutralizar, certas inibições morais que fariam com que as pessoas evitassem uma resistência a este mal. Aos poucos os homens se armam com “sofisticados produtos técnicos e conceituais da civilização moderna” (Bauman, página 119). Percebe-se que não há um caráter geral de não-violência existente na civilização moderna (tal caráter torna-se pura ilusão), o mesmo não passa de um “mito legitimador” (nas palavras do autor). Enquanto a qualidade de pensamento se torna mais racional, o teor destrutivo eleva-se simultaneamente.

Bauman aponta para uma reutilização da violência ao longo do processo civilizador. A violência não deixa de existir, porém, é utilizada através de outros diversos canais de atuação. Tais impulsos acabam gerando uma concentração desta mesma violência, visto que ela passa a atuar de forma mais politizada, racional e sistematizada (ampliaram-se os métodos coercitivos através de um Estado mais burocrático). Vê-se que tal propósito só foi efetivado através de uma especialização, resultando em um “aperfeiçoamento técnico”. A eficiência deste sistema tem como base um Estado burocrático e técnico, e a partir do momento em que a violência é vista sob uma visão mais técnica, torna-se “livre de emoções e puramente racional” (Bauman, página 122).

Substitui-se então uma responsabilidade moral por uma técnica, e tal atitude é fortalecida pela divisão hierárquica do trabalho, que distancia as pessoas de um resultado final e coletivo. Uma hierarquia burocrática dá margem ao não conhecimento pleno dos efeitos, demoniza-se então as ações à medida que tal divisão torna-se funcional (há uma distância entre o participante e a tarefa a ser executada, substitui-se o moral pelo técnico). Ao se fragmentar um processo, transforma-se a consciência em algo muito irrelevante. Em suma, o autor defende que tal “substituição da responsabilidade moral pela técnica seria inconcebível sem a meticulosa dissecação e separação funcional das tarefas” (Bauman, página 125). Padrões morais tornam-se irrelevantes frente a intenção de um sucesso técnico, fruto este de uma operação burocrática.

A ação burocrática efetiva também é responsável pela desumanização dos objetos e ações, ligados essencialmente a uma tendência racional de uma moderna burocracia. Há uma perda de identidade, resultante de um gerenciamento puramente burocrático. Segundo a opinião do autor, “a conclusão geral é que o modo de ação burocrático, tal como desenvolvido no curso do processo civilizador, contém todos os elementos técnicos que se revelaram necessários à execução das tarefas genocidas” (Bauman, página 128).

Outra discussão pertinente apresentada por Zygmunt Bauman é quanto ao aspecto “institucionalista” ou “funcionalista” do holocausto. O genocídio adquiria uma dinâmica e uma mecânica próprias, onde também deve se somar uma política expansionista. Em suma, o autor conclui que a burocracia tornou possível esta ação genocida, onde a intenção final era um amplo projeto de uma ordem social melhor, construído racionalmente.

Sobre a sociedade moderna (e, consequentemente, civilizada), Bauman converge com o historiador Norbert Elias em certas opiniões, principalmente na que se refere ao fato de tal sociedade reunir recursos à criação de centros de violência em novas locações de seu sistema social. Assim, a vida cotidiana fica completamente livre à violência, que passa a residir nas margens da sociedade (há um desaparecimento da violência no horizonte da vida diária, o que reflete ainda mais as tendências centralizadoras e monopolizadoras do poder moderno). Além do mais, tal governo estende seu apoio às instituições científicas e religiosas, em busca de gratidão e cooperação por parte destas. Vê-se, como o autor quer demonstrar, que a própria civilização moderna não ergueu barreiras contra as barbáries que ela mesma cometeu.

O que possibilitou que o avanço de tais idéias resultasse na monstruosidade do holocausto foi sem dúvida, segundo o autor, o colapso da democracia, que resultou no desmantelamento de uma ordem social mais ampla. As condições modernas tornaram propícias a emergência de um Estado pleno de recursos, que teria força no comando político e na administração. Percebe-se a modernidade como uma era de ordenamento artificial e grandes projetos sociais. A essência da atitude moderna repousa na “melhoria da realidade”. Concluindo, o autor diz que “cada passo no sentido do enfraquecimento das bases sociais da democracia política torna um pouquinho mais possível um desastre social na escala do holocausto” (Bauman, página 140).

quinta-feira, 1 de maio de 2008

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Capítulo 5 (“Contra o inimigo comum”).

Em seu texto, Hobsbawm dá foco central às medidas políticas adotadas, ou não, entre as nações européias no período antecedente a Segunda Guerra Mundial e também durante o transcorrer da mesma. Buscando a análise do modo de funcionamento do comportamento dos países beligerantes, o autor enfatiza que é importante destacar dosi tipos de mentalidades políticas totalmente opostas que coexistem nessa conjuntura mundial de guerra e influências: ideais autoritários e conservadores contrastam com os que são, em conjunto, contrários a esse tipo de ideologia.

A existência de uma oposição comum, coletiva, à Alemanha de Hitler foi o que possibilitou uma aliança, mesmo que temporária, entre capitalismo liberal e comunismo. Ambos eram também vistos como inimigos a serem destruídos pelo fascismo alemão.

Hobsbawm destaca a Guerra Civil Espanhola no período que antecede o choque entre os países na Segunda Guerra mundial. Apoios e influências no conflito espanhol servem para elucidar os lados opostos que ideologias também tão divergentes de países europeus vieram a se posicionar. A cisão do mundo europeu, e no mundo em geral, passa a tomar forma, segundo o autor, a partir da Guerra Civil Espanhola.

O ressurgimento bélico alemão também é plausível de análise se for tomado como foco central o fato de países europeus, como França e Inglaterra principalmente, terem hesitado em se opor, mesmo que fosse ao menos limitar, essa política expansivista de Hitler. O trauma da Primeira Guerra Mundial e o temor por uma outra que possivelmente viria a acontecer, segundo o autor, foram alguns dos fatores responsáveis por essa hesitação, e tal passividade veio a tornar possível que Hitler pusesse em prática, sem quase nenhuma oposição, seus projetos nazistas.

Também é importante perceber o caráter de “guerra total”, que é típica de uma lógica que englobe as massas no aparelho estatal. O estudo dessas relações políticas permitem uma maior abrangência dos fatores e medidas que tornaram a Segunda Guerra Mundial possível . Além do mais, compreender o posicionamento das sociedades mundias perante este conflito de enormes proporções ajuda a perceber o quanto este enfrentamento bélico transformou socialmente tais países, a ponto de desencadear posteriormente em uma guerra com uma dinâmica e forma de ação totalmente diferente: a Guerra Fria.

domingo, 6 de abril de 2008

Resenha Filmográfica: “Homo Sapiens 1900”. Diretor: Peter Cohen. Ano de produção: 1998.

O filme do sueco Peter Cohen, intitulado Homo Sapiens 1900, alia-se à mostra de fotos e arquivos para que o público entenda como a eugenia, tomada a partir de um ponto de vista que vise a limpeza racial, é defendida no regime hitlerista para que assim se construa uma raça superior através do aperfeiçoamento.

A comparação entre os ideais hitleristas e stalinistas é uma alternativa do diretor para se entender concepções diferentes acerca de uma mesma medida eugênica, tanto que a própria cena em que cientistas aparecem analisando o cérebro de Stálin já diz por si só. O que o filme se preocupa primordialmente é mostrar a ciência a serviço de uma ideologia, e esta, marcada ainda mais pelo racismo. Peter Cohen foi feliz na escolha de suas imagens, documentos e vídeos, porém, é preciso ver que o diretor analisou um dos fenômenos únicos da doutrina fascista. Analisar algo uno possibilita um aprofundamento maior no que diz respeito aos estudos, contudo, quando o que está em discussão trata-se de algo tão complexo (tanto na teoria quanto na prática) como o nazismo, deve-se levar em conta as múltiplas ramificações que este sistema político, e social, engloba.

Questões como o nacionalismo e a modernidade aparecem de forma muito superficial no documentário. Superficiais não porque não possuam importância, mas sim porque o foco central seja a eugenia em si, e as conseqüências políticas que a mesma traga consigo. “Hitler conseguiu recrutar mais seguidores entre alemães equilibrados ao afirmar que a ciência estava ao seu lado” (EDUARDO SZKLARZ, em matéria para a revista superinteressante, edição de julho de 2005). Mostrar como a idéia penetrou, e foi aceita, é algo interessante de ser mostrado em um documentário, porém, muito mais dinâmico seria a análise da sociedade por um todo e das outras idéias que perpetuavam na mesma, como por exemplo, o nacionalismo, a noção nazista de modernidade, a ilusão de um ideal de beleza (que o próprio Peter Cohen analisa em seu outro documentário, intitulado Arquitetura da destruição), entre outras. Poucas vezes o diretor sueco relaciona idéias diferentes, de uma certa forma complementando-as. Um dos momentos em que Cohen faz isso é quando trata da questão dos institutos onde mães solteiras dariam a luz à arianos, frutos de uma “raça pura”. O diretor soube explorar a idéia de procriação sistemática entrando em choque com uma sociedade nazista que exaltava o papel da família acima de tudo, e poderia debater outras questões deste tipo ao longo do filme.

No geral, o documentário de Peter Cohen é limitado, pois se resume ao tema da limpeza racial, porém, torna-se interessante a partir do momento em que o diretor mapeia a eugenia desde o seu surgimento, mostrando políticas eugenistas em diferentes países, e também a forma como a política se alia à ciência e, principalmente, através da propaganda (a cena do filme A cegonha negra, do médico norte-americano eugenista Harry Haiselden é impactante, pois ele afirma que “há ocasiões em que salvar uma vida é um crime maior do que tirá-la”) ganha espaço. Em suma, essa arma político-biológica é analisada de uma forma surpreendente no documentário, porém, seja uma pena que o diretor não possa ter feito um diálogo com outros ideais pertinentes à época (quando faz, estes são limitados e superficiais).

sábado, 5 de abril de 2008

Fichamento: PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 8: p. 335-361.

Ao início deste capítulo o autor expõe sua proposta: chegar a uma definição do que seja o fascismo. Porém, julga justo conseguir atingir o “máximo fascista”, a ponto de assim se chegar a alguma essência do movimento. Descartando a opção de um “mínimo fascista”, também diferencia os movimentos dos regimes em si, pois estes últimos seriam formas deturpadas, corruptas, ainda mais quando se leva em conta que “o fascismo em ação se assemelha muito mais a uma rede de relações que a uma essência fixa” (PAXTON, página 336).

Várias interpretações foram formuladas ao longo dos anos acerca deste sistema político e, principalmente, social. Visões de que o fascismo seria fruto do capitalismo contrastam com a opinião dos que acham que, pelo contrário, o capitalismo é que seria afetado pelo fascismo (essas interpretações opostas fazem parte da primeira tomada acerca do estudo dos movimentos e dos regimes fascistas). A psicanálise também entra em meio a essa discussão, porém, Paxton ressalta que a análise da figura do líder por si só é algo complicado, e muitas vezes errôneo, pois, na medida em que se foca essa matriz, deve-se lembrar de outros dois fatores importantes: o problema de não se trabalhar com o objeto em si e também saber que está se deixando de lado as massas fascistas.

A “teoria da não-contemporaneidade” do filósofo Ernest Bloch complementa e reforça o enfoque sociológico de que houve o surgimento de uma “sociedade de massas atomizada”, fruto de um nivelamento urbano e industrial ocorrido a partir de fins do século XIX. Os diversos clubes alemães viriam a tornar este país profundamente polarizado em inícios da década de 1930, e a isso, deve-se somar a imediata necessidade de se disciplinar um povo visando a tarefa da reconstrução após a derrota de 1918. Vê-se a partir daí o fascismo como uma força desenvolvimentista, que visa o crescimento industrial por meio da força de trabalho. Da mesma forma, “a teoria do fascismo como ditadura desenvolvimentista serve para rotular de ‘fascistas’ todos os tipos de autocracias do Terceiro Mundo” (PAXTON, página 343), ou seja, o termo adquire assim um caráter pejorativo.

Outro ponto ressaltado no ponto analisado que reforça ainda mais a impossibilidade da construção para uma explicação social coerente do fascismo é a idéia de que o recrutamento fascista não ocorresse em uma camada social específica, o que mostra a “multiplicidade do apoio social dado ao fascismo e seu relativo êxito na criação de um movimento composto, abrangendo todas as classes” (PAXTON, página 344).

Segundo uma “Teoria do Totalitarismo”, a Rússia de Stálin e a Alemanha de Hitler assemelham-se, pois ambos os regimes “eram governados por partidos únicos, empregavam uma ideologia oficial, usavam um controle policial terrorista e tinham o monopólio do poder sobre todos os meios de comunicação, sobre as forças armadas e sobre a organização econômica” (PAXTON, página 346). Porém, antes de se marcar as semelhanças, é preciso se entender que ambos os regimes se diferem totalmente no que diz respeito às suas dinâmicas sociais e também em seus objetivos, o que torna um pouco falha essa interpretação totalitária. Tratar Hitler e Stálin como totalitários leva a um exercício de julgamento moral comparativo. O hitlerismo e o stalinismo diferem-se principalmente em seus objetivos últimos declarados: para um, a supremacia da raça-mestra; para o outro, a igualdade universal.

É preciso destacar que o fascismo mobilizava as massas, estimulando-as ao fervor e a ação. A partir daí é preciso ver o fascismo como uma “religião política”, onde se difunde uma verdade que não permite espaço a dissidências. O autor também mostra a sua aversão em se classificar o fascismo como um dos muitos “ismos” existentes pois o movimento desprezava a razão e o intelecto a medida em que nem mesmo se dava ao trabalho de justificar sua próprias alterações.

Decodificar a cultura das sociedades fascistas por via de um olhar antropológico trata-se de uma estratégia intelectual contemporânea. Embora importante, não consegue explicar a forma como o fascismo adquiriu o poder de controle dessa própria cultura. É preciso ressaltar também que a cultura difere profundamente de um ambiente para o outro, tornando impossível encontrar um programa cultural comum a todos os movimentos fascistas.

Um meio de se entender o fascismo é, segundo Paxton, saber delimitar suas fronteiras em relação a outras formas de poder semelhantes. O primordial é diferenciar o fascismo da tirania clássica, até porque, apesar de ambos serem autoritários, o fascismo encontra apoio nas massas populares, ao contrário das tiranias, que as oprimem. Desta forma, é incorreto usar o termo fascismo para as ditaduras pré-democráticas. Complementando a idéia anterior, a mesma também serve para a quebra de um certo paradigma: todos os fascismos são militares, porém, nem todas as ditaduras militares são fascistas. É preciso ressaltar, para um melhor entendimento, que “a maioria das ditaduras militares atua como simples tirania, sem ousar desencadear a excitação popular do fascismo” (PAXTON, página 355).

Outra discussão que surge nesse âmbito de estudos diz respeito à confusão entre os regimes autoritários e os fascistas. O autoritarismo desrespeita a liberdade civil e é capaz de cometer diversas brutalidades. Ou seja, “os autoritários preferem deixar suas populações desmobilizadas e passivas, ao passo que os fascistas querem engajar e excitar o público” (PAXTON, página 356).

Para o autor, a diferenciação entre fascismo e autoritarismo surge como base para se discutir os regimes políticos de Franco na Espanha, de Salazar em Portugal e de Vicky na França.

Desta forma, Paxton chega a seguinte definição: “o fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza” (PAXTON, página 358-359).

Porém, é preciso ressaltar que, devido a peculiar relação do fascismo com sua ideologia, que era frequentemente modificada ou violada conforme a conveniência do momento, torna-se possível se “evitar ambos os extremos: o fascismo não consistia nem da aplicação direta de seu programa nem de oportunismo imediato” (PAXTON, página 359).

terça-feira, 25 de março de 2008

Fichamento: PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 1: p. 13-49.

O fascismo, segundo elucida o autor logo ao início de seu texto, trata-se de uma resposta do poder conservador, buscando brechas na mesma legalidade que outras correntes políticas opostas se sustentaram. Isso possibilitou a construção desta “ditadura antiesquerdista cercada de entusiasmo popular”. O termo fascismo fora cunhado primeiramente por Mussolini, e viria a ter como base de sua existência um “sólido núcleo central”, este formado por veteranos de guerra que se sentiam no direito de governar o país que haviam anteriormente salvo. O programa fascista italiano tratava-se da mescla de um patriotismo de veteranos com uma atitude social radical. O movimento também se caracterizava pelo antiintelectualismo, pela rejeição a soluções de compromisso e também pelo desprezo à sociedade estabelecida (traços estes marcantes dos veteranos bélicos, dos sindicatos pró-guerra e dos intelectuais futuristas, grupos estes que constituíram a massa dos primeiros seguidores do movimento político).

Formar uma sociedade livre e coletivista foi o pensamento que se difundiu entre os nacionalistas, armando assim um terreno sólido e fértil para a aceitação de uma "revolução nacional radical". Movimentos que lutavam em nome de um “bem nacional maior” vinham surgindo não só na Itália, mas também na Europa do pós-guerra. Era comum a quase todos estes movimentos o nacionalismo exacerbado, o anticapitalismo, o voluntarismo e a violência ativa contra os inimigos. Caminhava-se à efetuação de uma revolução “sem ideais que a embossassem, contrária às idéias, contrária a tudo o que há de mais nobre, de melhor, de mais decente, contrária à liberdade, à verdade e à justiça” (PAXTON, página 21). Nas palavras do filósofo-historiador Benedetto Croce, surgia assim o mau governo da “onagrocacia”, o governo dos asnos.

Onze anos depois do Partido Fascista de Mussolini ocupar o poder na Itália, um outro partido fascista toma o poder na Alemanha. O nazismo surge de uma degeneração moral aonde técnicos ignorantes e superficiais, apoiados por uma coletividade das massas ansiosas, haviam triunfado sobre os equilibrados e racionais humanistas.

Segundo Paxton, inúmeras interpretações e definições acerca do fascismo foram apresentadas, porém nenhuma alcançou aceitação universal. Não se há encontrado uma explicação satisfatória para este fenômeno que, aparentemente surgindo do nada, tomou múltiplas e variadas formas, onde todas exaltam o ódio e a violência em nome da superioridade nacional. Ademais, “os movimentos fascistas variavam de forma tão evidente de um contexto nacional para o outro que há quem chegue a duvidar de que o termo fascismo de fato signifique algo além de um rótulo pejorativo” (PAXTON, página 22).

É importante estabelecer, portanto, uma nova visão acerca do fascismo, resgatando seus conceitos e buscando-se uma melhor análise do fascínio que tal movimento provoca. Rever sua complexa trajetória histórica, e todo o horror que esta envolve, é a base fundamental do o autor para se chegar a este objetivo.

O que não se pode ocorrer é que a imagem de um líder personalize o fascismo, dando a entender que tal fenômeno possa ser explicado isoladamente pela sua liderança. Não se deve caracterizar o regime como anti-semita, pois nos primeiros tempos Mussolini contou com o apoio de industriais e proprietários de terra judeus, que lhe forneceram ajuda financeira.

Uma outra característica supostamente essencial do fascismo é seu ânimo anticapitalista e antiburguês. Para alguns, o fascismo é uma forma radical de anticapitalismo, para outros, veio em socorro do capitalismo em apuros. Para o autor, o que de fato o fascismo fez é tão informativo quanto o que disse que iria fazer. O que o regime criticava no capitalismo não era sua exploração, mas seu materialismo, sua indiferença para com a nação.

Paxton adota o mesmo conceito de “revolução fascista” do professor Francisco Carlos. Para ambos o regime era revolucionário em um sentido especial, longe da subversão da ordem mundial e muito mais ainda da redistribuição dos poderes, sejam estes sociais, políticos ou econômicos.

A grande ambigüidade do fascismo é a dificuldade em ser situado no plano político de direita-esquerda, pois o mesmo transcede essas divisões arcaicas visando um objetivo único: unir a nação. Outra contradição apontada no texto entre a retórica e a prática fascista diz respeito à modernização, pois é difícil postular que a essência do fascismo se reduza a uma reação antimodernista ou a uma ditadura da modernização. Esta paradoxal relação do fascismo confunde os que buscam uma origem única para tal movimento, pois, ao mesmo tempo em que se buscava evitar os efeitos sociais negativos da modernidade, tal caminho só se mostrava possível através da integração e do controle, ou seja, fruto de uma “modernização alternativa fascista”, onde na verdade havia uma “racionalidade científica que rejeitava os critérios morais” (PAXTON, página 33).

Ao se estudar o fascismo muitas vezes se dá valor exacerbado a datas e também a grandes feitos, esquece-se a cumplicidade das pessoas comuns no estabelecimento e no funcionamento dos regimes fascistas. O autor apresenta uma série de dificuldades, até aqui, na busca por uma essência única, o famoso “mínimo fascista” (PAXTON, página 35), que, supostamente, permitiria a estudiosos do mundo todo a formulação de uma definição clara e geral do fascismo.

O fascismo trata-se mais de que uma simples idéia, é todo um sistema de pensamento subordinado a um projeto de transformação mundial. “O fascismo não se baseia de forma explícita num sistema filosófico complexo, e sim no sentimento popular sobre as raças superiores, a injustiça de suas condições atuais e seu direito a predominar sobre os povos inferiores” (PAXTON, página 38). O movimento não tem como base sólida nenhuma doutrina, não recebe embasamento intelectual ainda mais quando suas verdades são ditas e vistas como algo absoluto.

O autor informa que os líderes fascistas não possuíam um programa para que se sentissem presos a qualquer tipo particular de forma doutrinária, ainda mais porque, segundo a própria visão fascista, o poder vinha em primeiro lugar, e a doutrina, qualquer que fosse, viria depois. Desta forma, os programas eram informais e fluidos, o que caracteriza o “antiintelectualismo” do movimento, já que tanto Hitler quanto Mussolini não se preocupavam com justificações teóricas. Porém, o fascismo só se tornou algo possível de se imaginar graças aos seus intelectuais dos primeiros tempos, que exerceram influências importantíssimas e de diversos tipos. “Com vistas a se tornar um ator político importante, conquistar o poder e exercê-lo, os líderes lançaram-se à construção de alianças e soluções de compromisso político, pondo de lado, assim, partes de seu programa e aceitando a defecção ou a marginalização de alguns de seus militantes de primeira hora” (PAXTON, página 43).

Já que cada movimento nacional fascista trata-se da expressão plena de cada particularidade cultural, o autor propõe a essa variedade o método comparativo para enfim se buscar as razões para os diferentes resultados do que parecia ser um movimento, a priori, uno. Diante destas variedades, torna-se muito difícil também chegar a uma definição de “mínimo fascista”. Paxton rejeita um nominalismo dos diversos movimentos fascistas pois vê a necessidade de um “termo genérico” para o fenômeno geral em si, já que o mesmo trata-se de uma das novidades políticas mais importantes do século XX, uma vez que se trate de um movimento popular contra a esquerda e contra o individualismo liberal.

Examinar o fascismo, desde os seus primórdios até o “cataclismo final”, é o que permitirá aos estudiosos a penetrarem na complexa teia de interações sociais formadas pelo movimento, o que talvez resulte em se chegar a uma definição correta do mesmo. Ou seja, necessita-se de uma análise histórica. Os fascismos conhecidos por todos “chegaram ao poder com o auxílio de ex-liberais amedrontados, tecnocratas oportunistas e ex-conservadores, e governaram conjuntamente com eles, num alinhamento mais ou menos desconfortável” (PAXTON, página 49). Tal complexidade faz com que se exija algo muito mais elaborado do que a clássica dicotomia que é formada entre movimentos e regimes, até porque embora muitas sociedades tenham elaborado movimentos fascistas ao longo do século XX, poucas chegaram a possuir regimes fascistas de fato.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Fichamento: SILVA, Francisco C. T. da. “Os fascismos” In.: REIS FILHO, Daniel Aarão. Século XX. Vol. II: o tempo das crises.

Avaliar as condições sociais que possibilitaram que as atrocidades do fascismo se efetivassem, além do medo, é claro, de uma reincidência, são, para o autor, o que separa o historiador contemporâneo do historiador que escreveu no imediato pós-guerra (pois estes últimos vêem o fascismo como um movimento morto, puramente histórico e, desta forma, preso em seu próprio passado). Não é puramente histórico até porque se encontra indissociável do neonazismo.

Para o autor, dizem-se fascismos, pois cada um recobre uma só realidade política. O termo vem da expressão latina fascio. Há uma mudança no sentido do fascio, que varia de um símbolo típico da esquerda e dos movimentos trabalhadores (representando justiça e igualdade) para o campo da direita ultranacionalista. No final da década de 80, observa-se uma retomada no interesse acerca do fascismo em si, surgindo novas abordagens e também novas teorias explicativas. Tal rediscussão ressurge pois após 50 anos do fim da guerra alguns países publicam seus arquivos referentes ao fascismo, além do ressurgimento do fascismo como movimento de massas em países europeus.

Tais acontecimentos possibilitaram novas análises conceituais sobre o fascismo diferentes à historiografia de cunho demais histórica anterior aos anos 80, que via o movimento como historicamente determinado e não mais possível de se repetir.

O autor preocupa-se em apresentar uma teoria explicativa geral do movimento político chamado fascismo, porém, longe da abordagem única e exclusivista do fenômeno (típica do imediato pós-guerra), que centra a atenção no nazismo somente. Busca-se estudar o fascismo tal como movimento de origens autônomas, nacionais. Desta forma, o autor vai contra a redução do fascismo a um acidente histórico, o que limitaria seus agentes colaboradores e envolvidos.

O que sustenta tal hipótese é o caso alemão, onde a “desnazificação” é marcantemente incompleta, o que permite uma ponte visível entre o próprio fascismo histórico e o neofascismo. A partir de tais atos, há uma “demonização” da história alemã. O que não pode acontecer é o fascismo ficar circunscrito ao nazismo e, assim, exclusivamente associado à história alemã (que é o que infelizmente ocorre na imediata historiografia pós-guerra). Embora confortadora, tal versão surge como uma explicação simplista do fenômeno, reduzindo o holocausto e o fascismo a uma possibilidade histórica já encerrada.

É necessário um debate teórico sobre a natureza do fascismo, o que garantiria a autonomia de tal teoria em face dos fenômenos que o envolvem. Os fascismos, enquanto regimes autoritários antiliberais, antidemocráticos e anti-socialistas possuiriam suas próprias especificidades nacionais que, por sua vez, não descaracterizariam a universalidade e autonomia do fenômeno ante outras formas de autoritarismo. A Teoria do totalitarismo seria o que caracterizaria o fascismo como um Estado autoritário onde, espiritualmente ou materialmente, não existiria qualquer atividade humana fora do Estado.

Consequentemente, o resultado para as grandes massas seria a participação mecânica ou a militância fanática, onde o fundo comum seria a mobilização contra um inimigo comum, objetivado. Tais condições específicas de massas (elemento passivo, manipulável e capaz de furores coletivos) é o que propiciaria o domínio totalitário.

A historiografia sobre o fascismo sofre uma reviravolta a partir de 1991, quando há uma nítida ressurgência do fascismo. Há um choque com a historiografia tradicional a partir do momento em que o cenário europeu nos anos 90 mostra-se claramente tensionado pela presença de partidos e agrupamentos neofascistas. Opõe-se assim ao caráter histórico (único e não retomável) do fenômeno fascista. Ora, a explicação histórica do fascismo (como um fenômeno exclusivo de uma época) se enfraquece perante estas novas circunstâncias.

Devido à ressurgência não há uma teoria em si absoluta sobre o fascismo, até porque os eventos históricos não explicariam de fato o fascismo histórico. Tal retomada obriga ao uso de um novo arsenal teórico e de novos métodos, até porque necessita-se da explicação de movimentos fascistas pertencentes a épocas diferentes. Como conseqüência, não se pode unificar a teoria explicativa do fascismo.

A intenção primordial do autor ao longo de seu texto é a tentativa de recuperação do fascismo como grande unidade de análise, agrupamento de configurações políticas de traços diversos, marcado, entretanto, por forte coerência interna e externa. Na Europa, há uma eficaz teia de identidades e colaboração entre os diversos regimes e movimentos fascistas, muitas vezes superando adversidades históricas e nacionais. Havia, de fato, um discurso coerente e unificado em torno do fascismo.

Apesar disso, cada fascismo sempre defendeu sua plena originalidade histórica e nacional, buscando desenfreadamente por um passado justificador, componente este básico do extremo nacionalismo dos fascismos. Todos os fascismos reivindicavam originalidade histórica, porém, todos também propunham um mesmo programa, o que possibilitaria a existência de um modelo “a-histórico”. Partindo de tal proposta, o autor trabalha o conceito de fascismo como uma unidade de traços diversos que dão coerência a um fenômeno.

Propositalmente, chegar a um modelo de fascismo dependerá primordialmente de um método comparativo, onde as diversas experiências fascistas serão postas lado a lado.

O estabelecimento de uma tipologia do fascismo que contemple seu caráter ao mesmo tempo autônomo e universal é então proposta a partir da comparação das diversas experiências fascistas. É preciso levar em conta que movimentos fascistas que não chegaram ao poder apresentam um perfil mais bem desenhado do que os regimes estabelecidos, até porque muitas vezes regimes fascistas chegaram ao poder através de pactos e alianças com outras forças conservadoras, sendo obrigados a abrir mão de parte do seu ideário inicial, perdendo assim sua originalidade a partir do momento em que certas forças limitam e redesenham tais regimes.

Tal método comparativo exclui a Alemanha do papel de “modelo exclusivo”, passando a se levar em conta a ideologia, o estilo político, os objetivos e as formas de dominação.

Pensa-se, a partir de certa parte do texto, em se explicitar uma concepção de mundo própria do fascismo, comum a vários regimes. Desta forma, o fascismo aparece como algo que engloba o total, que envolve e explica toda a vida. Sendo assim, suas idéias são levadas ao extremo em que foram anunciadas, mesmo que, para outras lógicas, apareça de forma confusa ou contraditória.

A crise contemporânea, para os fascistas, é fruto das formas liberais de organização e de representação, o que de certa forma o legitima como sucessor de um sistema que não consegue manter a coesão nacional. O parlamentarismo e o liberalismo são duramente atacados pela doutrina fascista, que os julga como fragmentadores de um ideal coletivo nacional. O próprio Partido Nazista vê como papel da doutrina fascista a não-liberdade liberal, que iria contra os anseios das massas. As necessidades dos novos tempos exigiriam um Estado forte, que impediria o conflito social no plano interno, fortalecendo assim o país no plano externo, pois, tal Estado (já que é totalitário) velará pelo interesse de todos. O anti-liberalismo fascista torna-se assim uma doutrina, que vê tal idéia como um elemento desagregador, pois este lançaria os indivíduos na multidão anônima, o que destruiria seus laços de identidade e de incorporação a um certo grupo. Concluindo: o que será idealizado e realizado pelo fascismo é reunir sob a potência do Estado os objetivos de uma coesão social.

Para os fascistas, a existência de partidos políticos possibilita que haja o agrupamento de certos interesses que sejam não-nacionais, o que serviria de fonte para discórdias e divisões das nações. A democracia então romperia a unidade com o povo ao dividi-lo em unidades políticas, onde um partido anula os projetos e esforços do outro. Outro elemento marcante da ordem social liberal seria a diferenciação da esfera do público e do privado.

Opondo-se ao liberalismo desagregador, o fascismo possuiria uma variada gama de organicismos socias. O Estado é visto de forma harmoniosa (sem contradições internas), diferentemente do Estado liberal (marcado pelas divisões grupais). Tal “Estado orgânico” não presenciaria lutas e contradições entre as forças da Nação.

Em prol de tal ideal, concede-se total direito a um líder (no caso alemão, o führer), que garantiria o bem-estar da comunidade popular. Tal decisão dá ao Estado uma liberdade para a repressão nunca antes vista. Na Alemanha as fraquezas do Estado são erradicadas (a luta partidária), e com a fundação do Partido Nacional-Socialista proclama-se a unidade entre partido e Estado. Este novo Estado seria o contratipo do Estado liberal. Um Estado autoritário seria a única forma de se alcançar a verdadeira unidade entre povo e Estado.

Apesar disso, para o autor, longe de ser caracterizado como uma autocracia, o Estado fascista surge como uma policracia, com fontes autônomas de poder, com objetivos muitas vezes conflitantes, reunidos em torno de uma doutrina que serve de argamassa, girando em torno da personalidade autoritária e carismática do líder nacional. Tal organização trata-se de uma resposta à crise de identidade gerada pelo individualismo liberal, onde o papel do Estado é se erguer como uma força aglutinadora da nação. O Estado fascista não é assim somente autoritário, mas também popular.

Um Estado orgânico, integral, seria a resposta adequada ao liberalismo (que seria o elemento causal da crise, e sua existência originaria, permanentemente, as condições de desagregação da sociedade), servindo como recomposição social das nações. Porém, não se pode pensar que o estado é o objetivo central da ação fascista, mas sim um instrumento indispensável e fundamental que garantiria a própria existência da comunidade nacional. Para isso, tal processo deveria basear-se numa idéia-força, como a raça, a nação ou o império (ou seja, algo que aglutinasse o povo).

Havia um projeto fascista, capaz de arrastar multidões em direção de decisões de um líder único. E é nesse sentido que o fascismo mostra sua superioridade enquanto “metapolítica”, com base em um “Estado Corporativo”. Deve-se notar aí a profunda operação de subversão de valores exercitada pelo fascismo. Tal papel não é percebido dentro de uma historiografia clássica sobre fascismo. É preciso se entender que a principal tarefa do fascismo é fazer cessar as causas da degradação social, transcendendo ao estranhamento dos indivíduos e dotando-os de uma identidade autêntica.

Uma “teia social de novo tipo” precisa ser traçada. Em vez de tensões sociais, o fascismo busca um quadro social onde tudo, e todos, estarão harmoniosamente unidos em prol dos interesses da Nação (caráter fortemente popular). Esta nova comunidade teria como base primordial a identificação mútua entre seus membros. No caso alemão e italiano, a retórica fascista precisou levar em conta um fortíssimo movimento operário e sindical. Desta forma, segundo o próprio Hitler disse, o Nacional-Socialismo trabalharia a fim de realizar um programa que conduzisse à eliminação completa das diferenças de classes e ao estabelecimento de uma comunidade socialista. Percebe-se que se buscavam formas de organização que preenchessem o vazio deixado pela extinção das organizações sindicais. Seria um instrumento de enquadramento das massas e, principalmente, para sua vigilância.

Criavam-se, assim, as condições para o avanço de uma nova regulação econômica, onde a constituição de formas corporativas objetivaria reorganizar a economia num sistema anticrise (algo que o liberalismo não podia mais fazer). Neste caso, o fascismo abria caminho para o estabelecimento de um vínculo com o socialismo, o que garantiria ao fascismo ser o verdadeiro socialismo em si, posto que seria nacional.

Em especial, temia-se o fascismo provincial, revolucionário, ante o fascismo oficial. O verdadeiro objetivo (no caso alemão) era a formação de um “Estado potência”, onde o novo homem fascista, o “super-homem”, seria apenas a argamassa, a base deste Estado. É exatamente por se definir enquanto um regime de produtores, nacional e defensor do bem-estar coletivo, que o fascismo se define como socialista (corporativismo como base). Segundo o próprio autor, “o dirigismo estatal e a organização corporativa, além de reconstruírem uma identidade perdida ao longo da instauração da sociedade industrial, liberal e de massas, surgiam como poderoso instrumento anticrise”.

Fixando-se o que é nacional, tudo o mais é lançado ao pólo extremo do antinacional, tanto é assim que na Alemanha o ódio as judeus tomou aspecto de uma política nacional. Judeus e ciganos inserem-se na mesma realidade: são universais, cosmopolitas, falam línguas distintas, impedem a homogeneidade a coesão nacionais. A alteridade social e individual surge, assim, como objeto central de ação do fascismo (no fascismo não há espaço para o outro, tampoco para a educação e conversão desse elemento estranho em um novo homem). Este sistema ideológico faz com que o fascismo identifique em si mesmo valores absolutos, e assim, qualquer diferença se torna objeto de eliminação violenta.

O Holocausto deve ser filiado a uma concepção de mundo que nega qualquer possibilidade de um contratipo ao seu padrão, e não à história específica de um povo. Tal estranheza é a condição psicológica básica para o genocídio, sem a qual Auschwitz não seria possível.

A educação fascista foi, por excelência, geradora de tal estranhamento. Durante a efetivação do desejo fascista de instaurar uma sociedade orgânico-corporativa de fortes bases tecnológicas, incentivava-se o indivíduo ao apelo por uma modernidade maciça, desviando sua capacidade de amar os semelhantes a medida em que se apaixonava pelas máquinas.

Forma-se então um “eu regressivo”, incapaz para o amor com o outro, com quem não há identidade possível. Não são os judeus, ciganos ou gays que trazem em si a possibilidade do Holocausto; esta reside, segundo o autor, naqueles que, em virtude do estranhamento, não se habilitaram para o amor. A idéia-força, presente nos métodos educacionais, seriam pontos de partida para a construção de tal personalidade autoritária. Há, portanto, uma regressão histórica, com o retorno à massa anônima, moldável, manipulável à voz de um líder. O novo Estado fascista moldaria as emoções burguesas.

Nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, onde o esforço e a capacidade individual deveriam se destacar, o Estado fascista impõe a idéia de pertencimento dos indivíduos a uma engrenagem.

Assim, “a alteridade é plenamente identificada com o liberalismo, com seu caráter antinatural e antinacional, com a desestruturação da comunidade orgânica nacional ou racial e com o espírito de facção do marxismo. Somente o fascismo seria o portador de uma moralidade capaz de forjar o novo homem, o bárbaro do futuro” (SILVA, página 159).

O antiliberalismo, antimarxismo, organicismo social, liderança carismática e negação da diferença marcam a possibilidade de identificação do fascismo enquanto regime ou forma de dominação específica, onde o que se distingue é seu caráter metapolítico (mobilizado para a incorporação da nação) que visa uma concepção de mundo única, excludente e terrorista. Desta forma, o fascismo surge como um caminho único, sem volta, que visa arrancar o indivíduo de uma situação de estranhamento e anomia.

O autor preocupa-se em explicar o fascismo, e não apenas o momento histórico da tomada do poder pelos fascistas, pois mesmo sem exercer plenamente o poder, o fascismo como movimento é capaz de alterar profundamente o cenário político.

A “revolução fascista” não teria como foco então alterar as condições materiais do indivíduo, muito menos em promover a distribuição da riqueza social; trata-se de salvar o coletivo (a comunidade) da aniquilação ante o outro (o estranho/estrangeiro), assumindo assim um caráter reativo e defensivo em face do perigo de fragmentação ante a hegemonia liberal.

Segundo o próprio autor, limpar o país dos antinacionais ou expulsar o imigrante estrangeiro trata-se de um objetivo que expulsa o debate em torno das causas do mal-estar e identifica um alvo para a realização do ódio. Em uma “religião de Estado”, submerge-se o indivíduo em identidades coletivas.