terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Te significo de algo próprio

Às vezes paro e penso nas coisas mais pífias que estão ao nosso redor. Vejo que por serem ridículas e não possuírem um significado além daquele presente nas páginas gramaticais talvez devessem ser relegadas ao esquecimento, à obscuricidade da memória, naquele canto onde a gente só busca as coisas quando realmente precisa, quando no alarde da necessidade tudo nos foge, e é necessário fazer aquele esforço cerebral que ultrapassa o real significado daquilo que se busca entender.

Penso num cone por exemplo. Destes que ficam no meio da rua, laranjamente imóvel. Esfericamente proporcional, milimetricamente dividido em duas cores, possuindo um raio simétrico que vai se afunilando até a ponta, quando se torna igual a zero. Visto assim trata-se só de um material sem muita utilidade, a não ser para evitar acidentes no trânsito, mas no ócio que me permeia, atento-me a verificar mais além, no mais ridículo significado abstrato. Tão simples, reto, sem nenhum atrativo mesmo, nada que chame atenção. Sem graça, todo por igual, com aquela base que o sustenta, pois se não a tivesse talvez nem mesmo conseguiria ficar em pé, podendo um vento qualquer provocado por um veículo que passe perto demais ter a chance de derrubá-lo, tornando-o inativo, sem função, solitário e caído no meio do asfalto, completamente sem utilidade.

Mas aí me lembro da curva que realmente ele possui, sua relevância corporal, seu brilho ofuscante na noite, sua maneira de impactar, dessas que faz você olhar mesmo que não queira, mesmo que tente desviar o as pupilas, fechar as pálpebras. Atropela-se um pedestre, mas nunca um cone. Ele tem seu espaço, seu território, sua área demarcada, todos esgueiram-se ao seu redor, poucos ousando tocar-lhe. Que frenesi!
Então me lembro de Marieta, figura estática, nula, nada demais, daquelas ditas “sem sal”, que não chama atenção, só ficando ali parada, sendo alvo de contato visual, viradas de pescoço dos que passam, alguns nem a percebendo. Quase um cone em meio ao trânsito de pessoas. Na faculdade tinha seu espaço próprio, reservado, poucas vezes violado, quase nunca infringido por um estranho, alguém que cruze o seu caminho e detenha o mínimo de atenção que mereça. Mas tinha seu brilho próprio, fosforescente como neón. O desenho do corpo: os quadris largos, afunilando-se na vertical para cima, seios discretos, destes que não provocam o instinto masculino, apenas quando descobertos no calor da madrugada.

Logo vejo que não tão pífio se é um cone quando comparado a alguém, quando visto que ultrapassa sua limitação gramatical. Acariciava Marieta sem muita resposta, sentimentos quase feitos de plástico, escondidos, precisando fogo para mexer as moléculas, fazendo-as derreter. Não que fosse um cone por completo, só que quando vejo um me recordo dela, me lembro de seu jeito e de sua aparência. Não que a considero-a ridícula, pífia, improdutiva, muito menos improdutiva e miserável, sem utilidade, mas na mais íntima verdade a vejo agora como uma pessoa inerte, em que é necessário um esbarrão para que um acidente megalomaníaco aconteça, destes que é capaz de mudar sua vivência, para pior ou para melhor.

Associo a palavra cone à Marieta não por maldade, mas assimilação, e não viso denegrir sua imagem, mas ressaltar suas características. No seu silêncio ela quebrou o meu, fez com que meus parâmetros capotassem, e acima de tudo, me fez perceber que por mais simples que as coisas pareçam ser, elas não o são, apenas não ganharam seu significado a partir de outro ponto de vista.

Fevereiro de 2010

2 comentários:

Prih disse...

Gostei da analogia cone...Marieta
Muito boa a metafora bem inteligente a associação, as vezes vc encontra pessoas estáticas,sem açao, feito cones

João disse...

Muito bem escrito, rapaz. Você tem estilo... E sabe prender a atenção dos leitores com esse ritmo de crônica.
Achei deliciosas as partes do "laranjamente imóvel" e dos "sentimentos quase feitos de plástico". E é claro, a ótima sacação do "no seu silêncio ela quebrou o meu".
Acho que a Marieta não conseguiria, de forma nenhuma, sentir-se ofendida com essa 'homenagem'.