quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Fichamento: CANDIDO, Antônio. Teresina etc. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 (pp. 83-94).

Inicia-se o texto quando o autor faz referência a existência da figura do revolucionário profissional. Trata-se do “militante inteiramente consagrado à atividade política, materialmente sustentado por uma organização partidária, a que a princípio deve dar adesão completa, obediência sem reservas, todo o seu pensamento e a sua ação, não devendo, como um clérigo, ter outro compromisso” (CANDIDO, página 83).
Entretanto, o autor também chama a atenção para outra figura importante no cenário intelectual, “o tipo oposto, do homem sem qualquer compromisso com a revolução, que freqüentemente até é contra ela, e no entanto nalgum período ou apenas algum instante da vida fez alguma coisa por ela: uma palavra, um ato, um artigo, uma contribuição, uma assinatura, o auxílio a um perseguido” (CANDIDO, página 83). Ato essencial e produtivo se mostra então atentar-se aos atos discordantes dos conformistas, os atos radicais dos conservadores, os períodos de lucidez revoltosa dos desinteressados, as lutas passageiras dos apáticos, etc. O importante é notar o quanto notícias ou acontecimentos mexem com a sensibilidade de intelectuais que num primeiro momento estariam desinteressados por tais eventos. Ao citar Bilac, por exemplo, menciona sua “simpatia nutrida pelo vago socialismo sentimental” (CANDIDO, página 86).
A balança socialista pendia mais para a esfera humanitária do que pela políticas. Estes intelectuais inseriam-se nos movimentos mais devido ao inconformismo que por intenções meramente políticas e ideológicas (estas não representavam a justificativa principal para tal filiação). Antônio Cândido aponta que “esse radicalismo verbal (...) é o oposto exato do compromisso militante, que se exprime em suas formas mas estritas no quadro do partido” (CANDIDO, página 86). Manifestações de opiniões vagas muitas vezes possuíam resquícios socializantes em seus discursos. Como fala Luís Edmundo: “É assim que somos, quase todos, socialistas”. Não se pregava uma revolução somente no mundo das letras, mas também no âmbito das idéias sociais. Havia um “anarquismo e um socialismo de literatos”, de origens diversas e possuindo algumas variantes. Um “anarquismo humanitário” (CANDIDO, página 87), fruto de concepções passageiras e confusas. “Grande salada, estranha evolução como se vê. Mas é preciso lembrar mais uma vez que o ‘ódio ao burguês’ e o sentimento do papel excepcional do artista levavam a esses cozidos ideológicos.
Ao caracterizar João do Rio, o autor aponta que o mesmo não possuiu nenhuma fase de anarquismo literário, nenhum interesse coerente pelos pontos de vista mais ou menos radicais. “Pelo contrário, as suas manifestações patrióticas são maciçamente conservadoras, do corte mais convencional. (...) Um jornalista adandinado, procurando usar a literatura para ter prestígio na roda elegante e acabando, segundo muitos, por vender a pena aos ricaços portugueses do Rio. Aliás, a imagem duvidosa que ficou dele foi a que ele quis, movido sem dúvida por aquela perversidade elegante copiada de Wilde e do desagradável Jean Lorrain” (CANDIDO, páginas 88 e 89).
“Esse João do Rio desfrutável e rebolante atiçou as iras de muita gente, sobretudo as de Antônio Torres, que o trata de maneira tão desabrida que ainda hoje chega a constranger, chicoteando a sua alegada venalidade de escriba da colônia portuguesa e aludindo à sua triste morte dentro de um táxi com uma crueldade feroz. Mais tarde, Eló Pontes o apresenta como um ignorante apressado, plagiário, cínico ao ponto de inventar para si mesmo uma aura de escândalo e perversão que não corresponderia à realidade, mas que se colou para sempre ao seu nome. Foi preciso chegar a uma outra geração, que não o conheceu pessoalmente, para se ouvir a primeira voz justa, - a de Rosário Fusco, que o avalia bem e registra a sua influência sobre muitos contistas e cronista” (CANDIDO, página 89).
Ao dar voz a diversos personagens em ao longo de sua obra, João do Rio apresentava um senso de justiça e uma coragem lúcida, características essas muitas vezes não encontradas nos adeptos do socialismo e do anarquismo. “Esse João do Rio clarividente é o da primeira fase, sem dúvida a melhor. O d’As religiões do Rio, d’A alma encantadora das ruas, de Cinematógrafo. Depois ele enveredou por uma lusofilia bastante suspeita e um patriotismo publicitário, retórico, bem pensante, ao mesmo tempo que afiava como contrapeso o esnobismo decadente e o franco cinismo. N’A alma encantadora das ruas há uma parte chamada ‘Três aspectos da miséria’ onde o olhar que registra passa por uma espécie de evolução, do pitoresco e da constatação para a cólera e a revolta. A crônica denominada ironicamente ‘Sono calmo’ descreve a visita a um albergue noturno, um pouco como se fosse episódio picante do tipo da famosa ‘tournée des grands ducs’ em Paris. Mas a crônica sobre as crianças exploradas na mendicidade tem um certo arrepio de humanidade ferida. Nisso tudo há curiosidade pelo pitoresco da miséria e gosto perverso da aberração. (... ) Nesses casos ele estava desafinando no coro de louvações do tipo ‘o Rio civiliza-se’, que saudava a urbanização e o saneamento como feitos suficientes. Estava, na verdade, mostrando a ferida escondida pela ostentação” (CANDIDO, página 90).
João do Rio passava dias ao sol, de bote, daqui pra li, superando obstáculos, a fim de poder observar a realidade atroz, que o movia pelo cenário urbano questionando os fatos observados. A vida do cronista, influenciado por Wilde, era marcada por um sentimentalismo radical. Faíscas de clarividência social marcavam sua obra, embora há de se lembrar que o escritor não fazia parte de nenhuma militância política. Ao retratar a greve do gás, em 1909, fica evidente a solidariedade intensa em relação ao operário e a percepção da greve como arma de luta. Revela uma organização social que destrói sistematicamente o pobre sem ao menos ter consciência dele. Seus pontos de crítica expandem-se numa revolta humanitária. Fala da perseguição sofrida por operários que ousam protestar: “De vez em quando, um desses devotos, também humilde, mas possuído da vontade fraterna de melhorar a sorte dos companheiros, surge, fala de ‘emancipação do operariado’ e de outras coisas graves, solenes e vazias. É um homem ao mar. Nem tu, nem aquele cavalheiro proprietário o conhecem. Mas a polícia já sabe que o bandido é um anarquista infame, os feitores não o largam com o olhar, os companheiros o evitam o chasqueiam na sua ignorância das suas idéias de associação de classe” (CANDIDO, página 94).

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