quarta-feira, 14 de maio de 2008

Fichamento: PAXTON, Robert O. A Anatomia do fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 7 (pp. 283-334).

Ao delimitar o marco inicial do fascismo a partir do momento em que a democracia das massas entra em plena operação, encontrando assim suas primeiras instabilidades, o autor inicia seu trabalho questionando a existência ou não, em qualquer um dos chamados neofascismos, de agentes poderosos o suficiente, fruto estes de uma especificidade temporal, a influenciar políticas governamentais. “O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico, após 1945, foi a repugnância que ele veio a inspirar” (PAXTON, página 284), e isto foi apenas uma das barreiras que essa possível ressurgência encontrou. Há também as questões metodológicas, onde cada coisa, mesmo que igual, aconteça segundo seu contexto histórico, o que sugere que tal regime não poderia voltar a existir após 1945, ou pelo menos não da mesma forma. Assim, como diz o próprio autor, “um fascismo do futuro (...) não teria que ter uma semelhança perfeita com o fascismo clássico” (PAXTON, página 286-287).

É preciso elucidar que tal posse de signos e símbolos através de uma perspectiva diferente não tornaria tais possíveis movimentos menos perigosos, pois há uma moldagem destes regimes pelo espaço político em que se desenvolvem. O que Paxton tenta mostrar logo no início de seu texto é que tal renascimento fascista não se baseia em uma repetição exata, mas sim em um equivalente no que diz respeito à função.

Uma Europa pós-1945 presenciou ainda a existência de partidos da ultra-direita que não possuíssem considerável representação, porém, que ganham espaço ao longo do tempo, pois aprenderam com seus próprios erros de se isolarem politicamente, buscando assim novas alianças políticas, resultando estas de uma adequação aos novos tempos. Tais políticas foram incentivadas ainda mais pelo crescimento do xenofobismo, que se acentuou devido ao amento da imigração de habitantes de antigas colônias européias para os países do velho mundo (resultado do fim do imperialismo). Mesmo que não chegassem ao poder, partidos com uma política próxima ao fascismo mudaram o cenário político de seus respectivos países. Paxton também chama atenção ao caráter das gerações nos movimentos quando fala que “embora alguns filhos tenham levado adiante a mesma causa de seus pais, novos recrutas, dando voz a novas queixas, trouxeram novo ímpeto à direita radical européia” (PAXTON, página 294). As mudanças pós-45 levantaram novas questões, o que preparou o público à novos movimentos e partidos de direita, alcançando estes maior êxito nas décadas de 1980 e 1990.

Os governos e partidos convencionais não souberam lidar com os novos problemas enfrentados pela Europa Ocidental após a década de 1970, o que deu brecha para o aumento de partidos políticos alternativos. Em meio a esse cenário não havia um inimigo comum, porém, era marcado por vários problemas, como por exemplo: a globalização, os imigrantes estrangeiros, o multiculturalismo, o enfraquecimento das identidades nacionais e, principalmente, “políticos incompetentes que não sabiam lidar com essas ameaças” (PAXTON, página 297). Aqui surgem oportunidades para novos movimentos de extrema-direita na Europa (o maior exemplo é a Frente Nacional, da França).

Porém, a preocupação do autor não é o surgimento de tais partidos e movimentos somente, mas sim até que ponto estes se relacionam com a sociedade européia em si, respondendo seus anseios, solucionando seus impasses, ou seja, integrando-se a ela. Até que ponto tais alternativas políticas “normalizaram-se” em meio a tal sociedade? Esta pergunta define a intenção do debate principal proposto pelo autor.

Tais movimentos e regimes não atendiam às exigências de um “fascismo clássico”, nem mesmo se taxavam como fascistas, porém, nas entrelinhas desses discursos direitistas percebe-se um “criptofascismo” (PAXTON, página 303), adequado, é claro, ao seu contexto temporal e geográfico. “Nos programas e declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos” (PAXTON, página 304).

No entanto, temas fascistas clássicos como o ataque à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a repulsa às constituições democráticas e ao estado de direito, a efetivação de guerras de expansão nacional, não encontram-se presentes nessa nova política ultra-direitista de fins do século XX. O que se deve comparar não são apenas programas e retóricas, mas também as circunstâncias contemporâneas com as da Europa entre-guerras. O autor conclui que “em suma, ainda que a Europa Ocidental, a partir de 1945, tenha tido ‘fascismos herdeiros’, e ainda que, a partir da década de 1980, uma nova geração de partidos de extrema-direita, normalizados, apesar de racistas, tenha conseguido até mesmo ingressar em governos locais e nacionais na qualidade de parceiros minoritários, as circunstâncias, hoje em dia, são tão diferentes da Europa do entreguerras que não há abertura significativa para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico” (PAXTON, página 307).

A maioria dos Estados do Leste Europeu presenciou, a partir de 1989, o surgimento de uma direita radical, embora, em sua maioria, tais movimentos não tenham obtido força o suficiente. O fim da URSS foi essencial para a amergência de tais políticas. Um destaque foi o regime de Milosevic na Sérvia que, embora não tenha sido um fascismo de fato, pode ser taxado como um equivalente funcional.

O campo da equivalência no que diz respeito à função amplia-se ao se levar em consideração a América latina e a África. Ex-colônias, com uma tímida emergência de uma democracia após tal período, são propícias a governos autoritários e tirânicos, porém, deve-se delimitar os limites de tais governos a um fascismo em si. O Peronismo e o Varguismo são exemplos de como “a avaliação das ditaduras latino-americanas pela ótica do fascismo é uma empreitada intelectual perigosa” (PAXTON, página 320). “Para que a comparação seja correta, temos que distinguir entre os diversos níveis de similaridades e de diferenças. As similaridades são encontradas nos mecanismos de poder, nas técnicas de propaganda e na manipulação de imagens e, ocasionalmente, em políticas específicas tomadas de empréstimo ao fascismo, tais como a organização corporativista da economia. As diferenças se tornam mais aparentes quando examinamos os ambientes sociais e políticos e a relação desses regimes com a sociedade” (PAXTON, página 320-321). Não existiu, como conclui o autor, um fascismo pleno e autêntico nos países latino-americanos no período entre 1930 e 1950. No caso do Japão, este visou, através da seletividade, algumas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular (implementada pela ação estatal), ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado típico dos movimentos fascistas. É fato que o Japão imperial se inspirou em modelos fascistas, compartilhando características importantes com estes, entretanto, faltava a base de um partido de massas único ou de um movimento popular aos governantes. Não se devem esquecer também os regimes ditatoriais da América Latina que eram sustento aos interesses norte-americanos ou europeus (o Chile de Pinochet, por exemplo), que já foram classificados, nas palavras do autor, de “fascismos clientes”. Não são fascismos em sua essência, pois dependem de um apoio e agem segundo um influência externa.

Paxton enfatiza que “uma minoria subjugada pode empregar uma retórica semelhante à do fascismo, mas não há qualquer possibilidade de ela vir a se lançar em seu próprio programa interno de ditadura, purificação e expansionismo” (PAXTON, página 331). Ao se questionar sobre a possibilidade da religião agir como um equivalente funcional do fascismo, o autor chama a atenção de que “um fascismo religioso, inevitavelmente, viria a impor limites ao seu líder por meio não apenas de poder cultural do clero, mas também dos preceitos e valores da religião tradicional” (PAXTON, página 331), porém, não se deve esquecer que a religião em si pode ser tão poderosa quanto a nação no caráter de propulsor de uma identidade.

Ao final de sua exposição, Paxton conclui que não se pode nem se deve buscar réplicas perfeitas dos movimentos fascistas ditos clássicos. Movimentos da direita souberam moderar seus discursos e abandonar o simbolismo do fascismo clássico, parecendo assim “normais”, no entanto, não se deve diminuir a probabilidade de virem a exercer influência, engajando assim partidários à sua doutrina. O estudo do movimento fascista, seja ele clássico ou contemporâneo (com suas modificações apropriadas), arma os cidadãos de saber distinguir políticos desprezíveis e imitadores dos “autênticos equivalentes funcionais do fascismo” (PAXTON, página 334).

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